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A Criança com Hiperactividade e Défice de Atenção
Março, 2010
Instituto de Apoio à Criança - Centro de Estudos e Documentação sobre a Infância

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  Segundo a APA (American Psychiatric Association) (2002) o Distúrbio Hiperactivo e Défice de Atenção (DHDA), igualmente denominado Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA), entre outras nomenclaturas, é um dos problemas de desenvolvimento da infância e da adolescência sobre o qual se têm debruçado diversos estudiosos, uma vez que este é o transtorno com maior impacto ao nível das salas de aula. O DHDA é um distúrbio neurobiológico que se caracteriza por um inadequado desenvolvimento das capacidades de atenção e, em alguns casos por impulsividade e/ou hiperactividade.

  Durante muito tempo julgou-se a hiperactividade como a característica principal do DHDA, hoje em dia sabe-se que não é bem assim, existindo segundo o DSM-IV (2002), três tipos de DHDA:
  1) Tipo Predominantemente Desatento: predominância de sintomas de desatenção;
  2) Tipo Predominantemente Hiperactivo - Impulsivo: onde existe um maior número de sintomas de hiperactividade – impulsividade;
  3) Tipo Combinado: existindo uma combinação entre sintomas de hiperactividade – impulsividade e desatenção;

  Os dois últimos são os mais representativos.

  Segundo Barkley (2006), a DHDA é um distúrbio do desenvolvimento caracterizado por graus desenvolvimentais inapropriados de desatenção, sobreactividade e impulsividade. Estes surgem frequentemente no início da infância; são de natureza relativamente crónica, e não são devidos a lesão neurológica, défices sensoriais, problemas da linguagem ou motores, atraso mental ou perturbação emocional grave. Estas dificuldades estão tipicamente associadas com défices de auto-regulação comportamento e da manutenção de um padrão consistente de realização ao longo do tempo.

  Relativamente ao diagnóstico, o DSM IV-TR (APA, 2002) refere que a perturbação requer a presença persistente e perturbadora de, pelo menos, seis sintomas duma lista de dezoito, metade destes relacionados com problemas de atenção, e a outra metade relacionada com problemas de hiperactividade/impulsividade:

  A. (1) ou (2):
  (1) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de falta de atenção devem persistir pelos menos durante seis meses com uma intensidade que é desadaptativa e inconsciente, em relação com o nível de desenvolvimento.

  Falta de Atenção
  (a) com frequência não presta atenção suficiente aos pormenores ou comete erros por descuido nas tarefas escolares, no trabalho ou noutras actividades lúdicas;
  (b) com frequência tem dificuldade em manter a atenção em tarefas ou actividades;
  (c) com frequência parece não ouvir quando se lhe dirigem directamente;
  (d) com frequência não segue as instruções e não termina os trabalhos escolares, tarefas, ou deveres no local de trabalho (sem ser por oposição ou por incompreensão das instruções);
  (e) com frequência tem dificuldade em organizar tarefas ou actividades;
  (f) com frequência evita, sente repugnância ou está relutante em envolver-se em tarefas que requeiram um esforço mental continuado (tais como trabalhos escolares ou de casa);
  (g) com frequência perde objectos necessários a tarefas ou actividades (por exemplo brinquedos, exercícios escolares, lápis, livros ou ferramentas);
  (h) com frequência distrai-se facilmente com estímulos irrelevantes;
  (i) esquece-se com frequência das actividades quotidianas.

  (2) seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperactividade/impulsividade persistiram pelo menos durante 6 meses com uma intensidade que é desadaptativa e inconsistente com o nível de desenvolvimento.

  Hiperactividade
  (a) com frequência movimenta excessivamente as mãos e os pés, move-se quando está sentado;
  (b) com frequência levanta-se na sala de aula ou noutras situações em que se espera que esteja sentado;
  (c) com frequência corre ou salta excessivamente em situações em que é inadequado fazê-lo (em adolescentes ou adultos pode limitar-se a sentimentos de impaciência);
  (d) com frequência tem dificuldades para jogar ou dedicar-se tranquilamente a actividades de ócio;
  (e) com frequência "anda" ou só actua como se estivesse "ligado a um motor';
  (f) com frequência fala em excesso.

  Impulsividade
  (g) com frequência precipita as respostas antes que as perguntas tenham acabado;
  (h) com frequência tem dificuldades em esperar pela sua vez;
  (i) com frequência interrompe ou interfere nas actividades dos outros (ex. intromete-se nas conversas ou jogos).

  Segundo a APA (DSM-IV-TR, 2002), existem alguns critérios que servem de guia para o Diagnóstico desta perturbação. São eles:
  A) A característica essencial de DHDA é um padrão persistente de falta de atenção elou impulsividade/hiperactividade, com uma intensidade que é mais frequente e grave que o observado habitualmente nos sujeitos com um nível semelhante de desenvolvimento;
  B) Alguns sintomas de hiperactividade/impulsividade ou de falta de atenção que causam problemas devem ter-se manifestado antes dos sete anos de idade. Contudo, muitos sujeitos são diagnosticados depois de os sintomas terem estado presentes durante vários anos, especialmente no caso de indivíduos com o Tipo Predominantemente Desatento;
  C) Alguns problemas relacionados com os sintomas devem ocorrer, pelo menos, em duas situações (por exemplo em casa, na escola ou no trabalho);
  D) Devem existir provas claras de um défice clinicamente significativo do funcionamento social, académico ou laboral;
  E) A perturbação não ocorre exclusivamente durante uma Perturbação Global do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outra Perturbação Psicótica e não é melhor explicada por outra perturbação mental (por exemplo, Perturbação do Humor, Perturbação da Ansiedade, Perturbação Dissociativa ou Perturbação da Personalidade). (DSM-IV-TR, 2002, p. 85)

  Causas do aparecimento da DHDA na criança

  A maioria dos modelos explicativos da DHDA fundamenta-se em componentes genéticos e ambientais. A DHDA é o resultado da influência social e cultural num grupo de indivíduos que progressivamente e por questões de pré-disposição biológica tem maior probabilidade de desenvolver a perturbação.

  Quando identificamos uma criança com DHDA, se pesquisarmos na mesma família, fatalmente encontraremos pessoas com o mesmo problema. Muitas vezes as manifestações do problema têm início na infância. Ninguém adquire a perturbação na adolescência ou idade adulta. No entanto estudos têm refutado esta ideia, por considerarem as dificuldades familiares serem mais consequência do que causa.

  Há também teorias que defendem que factores de ordem cerebral são uma das causas da DHDA. As crianças com DHDA não produzem substâncias químicas suficientes em áreas-chave do cérebro, responsáveis pela organização do pensamento. Sem estas substâncias, os centros responsáveis pela organização do cérebro não funcionam correctamente.

  A atitude dos pais nada tem a ver com a génese da DHDA. Mas parece cada vez mais evidente que problemas familiares (desentendimentos, separações, violência) e económicos (pobreza, desemprego) aumentam o risco de que problemas comportamentais e emocionais se acrescentem à DHDA. É claro, que num meio familiar afectuoso e tolerante, diminuirá a probabilidade do aparecimento dessas complicações (Falardeau, 1997).

  Depois de vários estudos concluiu-se que provavelmente, as causas que conduzem à DHDA dependem de factores diversificados, familiar, cerebral e genético, sendo difícil determinar, na maior parte dos casos, uma etiologia precisa, já que não é detectável, nenhum dano cerebral. Apesar de se terem verificado progressos significativos ao nível da identificação das causas da DHDA, continua a ser difícil indicar um factor responsável por esta perturbação, o que permitiu atribuir-lhe diferentes tipos de teorias (Lopes, 2003).

  Incidência da DHDA

  As constantes alterações nos critérios de diagnóstico tem levado a diferentes prevalências e incidências para a DHDA.

  A prevalência varia também em função do sexo, idade, estatuto sócio económico, raça/etnia de proveniência dos indivíduos e tipo de amostra utilizada nos estudos. "Desde os anos 70 que há indicações de que as crianças com PHDA parecem ter pais com o mesmo problema ou pelo menos com outras desordens psiquiátricas". Lourenço (2009, p. 39)

  Barkley (1981) refere que os rapazes apresentam maiores dificuldades de dar atenção a estímulos relevantes e inibir respostas a estímulos irrelevantes e King e Young (1981; cit. por Dehass, 1986) e Paulauskas e Campbell, (1979, cit. por Dehass, 1986) referem que apresentam também maiores problemas em termos de relação social. Assim, os rapazes hiperactivos terão maior tendência para o insucesso escolar (Whalen e Henker, 1980, cit. por Dehass e Young, 1984).

  Para Salgueiro (1983), a instabilidade tem uma expressão diferente nos rapazes e nas raparigas, mais com "sintomas da série motora nos rapazes" e "sintomas de série depressiva nas raparigas" como tal as raparigas surgem menos nas consultas de psiquiatria, dado que a inibição é mais "suportável" do que a irrequietude.

  Segundo, Serrano (1990), 8% dos rapazes em idade escolar sofreram de DHDA, contra apenas 2% das meninas. Esta discrepância pode estar relacionada com factores culturais e físicos e até a aplicação dos critérios de diagnósticos podem ser diferentes. É preciso salientar que os factores culturais são fulcrais, na medida em que, as expectativas dos pais e dos professores variam segundo o sexo. O autor aponta também diferenças hormonais ao nível do sistema nervoso central, dado que o processo de maturação no rapaz é mais lento, fazendo com que esteja mais vulnerável e influenciável, a comportamentos hiperactivos.

  Ao longo de vários estudos verificou-se que a DHDA afecta com maior frequência os rapazes do que as raparigas, independentemente da idade ou de outras variáveis sócio-demográficas, sendo esta proporção aproximadamente, de 3 para 1.

  Características da DHDA

  São três as características fundamentais da DHDA (Défice de Atenção, Hiperactividade e Impulsividade) e consideradas pela maioria dos autores como essenciais para a elaboração do diagnóstico.

  Défice de Atenção

  O défice de atenção é uma característica muito importante da DHDA. A criança tem muita dificuldade em manter-se atenta por longos períodos de tempo. Vários estudos mostram que as crianças com DHDA apresentam problemas académicos derivados das dificuldades ao nível da atenção, como por exemplo não terminarem as suas tarefas, sobretudo as mais monótonas como as que implicam a escrita, a leitura, a matemática ou exposição de um assunto oralmente. Por outro lado apresentam mais dificuldades de memorização e de seguir instruções. Como tal devem ser ensinadas de forma diferente, mesmo em relação àquelas com dificuldades de aprendizagem.

  Ao nível da atenção, embora as capacidades de processamento de informação se encontrem intactas, estas crianças revelam um desempenho fraco em tarefas que lhes cedam suporte diminuto, revelem pouco interesse ou se encontrem associadas a factores de distracção.

  Hiperactividade

  As crianças com DHDA apresentam, geralmente actividade motora excessiva. Segundo Barkley (1981) o excesso de actividade motora surge sobretudo em situação de sala de aula, dado que é aí que a exigência ao nível da concentração e inibição da actividade se torna maior. Respondem também com maior agressividade (quer física quer verbal). Assim são consideradas mais imaturas em termos sociais e emocionais.

  A criança com hiperactividade é incapaz de controlar a sua atenção, a sua impulsividade e a necessidade de movimento. Não se trata de uma ausência de vontade, mas de uma ausência de controlo. (Falardeau, 1997).

  "Refere-se aos níveis excessivos de actividade motora ou oral, características da criança com hiperactividade, o que faz dela uma criança muito inquieta nervosa, exibindo em geral movimentos grosseiros e desnecessários, irrelevantes para a tarefa e, por vezes, despropositados e "faladora", (Barkley, 1998 cit. por Lopes, 1998, p. 18).

  São também sujeitas a mais sanções, reprimendas e castigos do que as crianças sem DHDA (Melo, A. R., 2003).

  Impulsividade

  As crianças com DHDA respondem mais rapidamente e cometem mais erros do que as outras, quando submetidas às mesmas condições de avaliação. Agem sem pensar nas consequências do seu comportamento. A impulsividade manifesta-se por impaciência, responder antes de ouvir a pergunta, dificuldade em esperar, interromper os outros, dificuldade em seguir instruções, fazer comentários inoportunos, partir objectos sem querer ou mexer nas coisas dos outros (APA, 1994).

  A impulsividade consiste na dificuldade em regular a conduta, uma vez que passam à acção, sem reflexão prévia o que se traduz por uma não aceitação das regras sociais, exigem a satisfação imediata dos seus desejos e e manifestam tendência para praticar actividades perigosas (Barkley, 2006).

  Características que podem surgir associadas à DHDA

  São muitas as características que podem surgir associadas à DHDA, mas nem todas as crianças com DHDA apresentam todas essas características:
  • Problemas cognitivos. Ligeiras dificuldades intelectuais, dificuldades na leitura (dislexia), na escrita (disgrafia), na matemática ao nível do cálculo (discalculia) ao nível da memória de trabalho verbal e não verbal…).
  • Diversas dificuldades de aprendizagem, que levam a atrasos em algumas áreas de conteúdo, nomeadamente na leitura, na escrita, na expressão oral, no cálculo, etc. (Falardeau, 1997).
  • Problemas de linguagem (disfasia, dislalia, disartria e distúrbios do ritmo). Atraso no início da aquisição da linguagem, dificuldades no discurso oral, falar excessivamente…
  • Dificuldades nas actividades motoras, autonomia, responsabilidade pessoal, independência social e nas relações sociais… Estas crianças podem ter também atraso no desenvolvimento do coordenação motora (descoordenação motora e excesso de movimentos)…
  • Dificuldade em controlar as suas emoções. Dificuldade em lidar com a frustração, irritam-se com muita facilidade, são hostis, apresentam baixa auto-estima, são imprevisíveis, apresentam variabilidade de humor...
  • No campo das Emoções e Afectividade uma das principais características descritas é a dificuldade de auto–regulação das emoções. A irritabilidade a hostilidade, a excitabilidade e um hiper reactividade emotiva são frequentemente descrições da criança com DHDA.
  • Podem apresentar comportamentos disruptivos na sala de aula, prestações abaixo das suas capacidades, dificuldades de aprendizagens específicas, retenções, necessidade de um tutor, suspensões e expulsões escolares, não terminar o ensino secundário…
Pouca persistência e baixa motivação, na realização das tarefas…
  • Maior tendência para acidentes, possível atraso de crescimento durante a infância, dificuldades de sono…
  • Dificuldade em cumprir instruções, regras, ordens…

  DHDA e Comorbidades Psiquiátricas

  Comorbidade é um termo médico primeiramente utilizado por Feinstein em 1970. O termo refere-se à coexistência de transtornos ou doenças, e não de sintomas. Feinstein descreve a comorbidade como "qualquer entidade clínica distinta adicional, que tenha ocorrido ou que venha a ocorrer durante a evolução de um paciente cuja doença índex esteja sob estudo". Em epidemiologia psiquiátrica, a ênfase é dada ao risco relativo (odds ratio): probabilidades de um portador de um determinado transtorno tornar-se mais predisposto a desenvolver outro. Para haver comorbidade, é importante a relação e a continuidade temporal entre os dois transtornos, que podem surgir simultaneamente ou um preceder o outro.

  Têm sido feitos estudos em relação à comorbidade entre DHDA e Perturbação de Oposição e da Conduta, DHDA e Perturbações do Humor e da Ansiedade, DHDA e Doença Bipolar, DHDA e Perturbações Psicossomáticas, DHDA e Dificuldades de Aprendizagem, DHDA e Perturbação da Leitura, Deficiência Mental e DHDA, Síndrome de Tourrette e DHDA e verificou-se que existe prevalências de comorbidades entre a DHDA e as referidas Perturbações Psiquiátricas.

  Como avaliar e intervir na DHDA

  Conceptualmente, avaliar é um processo de recolha de dados com o objectivo de especificar e verificar problemas e tomar decisões sobre os indivíduos. O diagnóstico das crianças com DHDA é um diagnóstico difícil de fazer. As crianças têm comportamentos muito diferentes umas das outras e também não existe nenhum exame rigoroso que confirme com toda a certeza se a criança tem DHDA. Os testes psicológicos têm contribuído para ajudar no diagnóstico da DHDA.

  A avaliação deve ser feita por vários especialistas, pediatra, psicólogo, psiquiatra, neurologista e outros se necessário. Não existe nenhum sinal físico nem alteração de resultados de análise que possam confirmar ou negar um diagnóstico. O diagnóstico é essencialmente clínico baseado em critérios comportamentais. A avaliação da DHDA implica a utilização de diferentes instrumentos, com diferentes objectivos, e quase sempre uma equipa multidisciplinar. Na maior parte das vezes a avaliação da DHDA tem como objectivo a determinação do diagnóstico. O trabalho multidisciplinar é fundamental, tanto no diagnóstico como no tratamento.

  O diagnóstico da DHDA requer que a criança preencha os critérios de diagnóstico do DSM-IV acima enumerados, de forma a minimizar os riscos de equívoco e visto os referidos critérios reunirem um maior consenso no corpo clínico.

  Fontes:
  DSM-IV - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais - é uma publicação da American Psychiatric Association, Washington D.C., editada em 1994 e revista em 2000 (sendo a sua 4ª edição conhecida pela designação "DSM-IV"). Este manual fornece critérios de diagnóstico para a generalidade das perturbações mentais, incluindo componentes descritivos, de diagnóstico e de tratamento, constituindo um instrumento de trabalho de referência para os profissionais da saúde mental.
  Hiperactividade e défice de atenção em contexto escolar: estudo comparativo das percepções e atitudes de professores do 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico (2009)
  A relação entre hiperactividade, motivação e sucesso escolar (2009)


in InfoCEDI Dezembro 2009 nº 21
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