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Quem tem meninos pequenos...
Outubro, 2008
Maria Isabel Mendonça Soares - Cadernos de Educação de Infância
APEI - Assoc. de Profissionais de Educação de Infância

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  À medida que nos debruçamos sobre as tradições populares, cada vez maior é o respeito e a admiração que nos suscita a sabedoria do povo.
  Basta ver a filosofia de vida, ora mordaz ora pedagógica, encerrada nos provérbios; a sensibilidade dos quadros e do romanceiro, a harmonia e engenho da cerâmica e de todas as restantes manifestações do artesanato regional.

  Mas, acima de tudo, aquilo que mais nos deslumbra é o alto valor pedagógico das lengalengas (cantilenas ou cantarelos, como também são por vezes designados).
  Criação de mães e avós, certamente iletradas, bem longe de saberem que, séculos volvidos, sábios doutores (Freud, Maria Montessori, Claparède, Decroly, Piaget) iriam "descobrir" a importância dessas rimas ingénuas na educação e desenvolvimento afectivo, cognitivo e motor da criança.

  Porque de tudo isso se compõe a simples recitação de uma qualquer lengalenga portuguesa, de uma nursery rhime anglo-saxónica, de uma comptime ou formulette de língua francesa, ou de uma cultura europeia, africana, asiática ou americana, que os há em todo o mundo onde haja também crianças e adultos carinhoso que lhas ensinem.

  Brinquedos verbal porque a sua sonoridade rítmica e a repetição de fonemas convidam a criança a querer imitá-las, a princípio conseguindo apenas exprimir o som das vogais tónicas, pouco a pouco articulando as palavras mais ou menos correctamente, até obterem a dicção perfeita.

  Brinquedo psicomotor, simultaneamente, porque sempre acompanhando as palavras com movimentos de mão, de dedos ou do balanço do corpo.

  Das mais elementares constituem as "gracinhas" que fazem o enlevo enternecido de pais e avós; por exemplo, as "palminhas olaré palminhas/que a mãezinha dará maminhas/ e o pai quando vier /comerá do que trouxer". O bebé baterá as mãos sempre que enviar a sua recitação meio entoada pelo adulto.

  A "Bichinha gata, que comeste tu? / Sopinhas de leite/Onde as guardaste? / Debaixo da arca da cozinha/Sape, sape gata para casa da avozinha."

  Numa primeira infância, o pequeno ouvinte, se não pode ainda apreender toda a sequência de diálogo, afinal uma história com as suas perícias e actores, registará alguns vocábulos familiares - gata, leite, avozinha - umas sobretudo sentirá com agrado a carícia da sua mãozinha na face, e a surpresa divertida do sape, sape, leve "bofetada", gesto que, rindo, irá por sua vez imitar na cara do adulto.

  O grande pedagogo que foi João dos Santos chamava a atenção para a extraordinária potencialidade da conhecidíssima lengalenga "Aqui põe a galinha o ovo, e o (a) menino(a) papa-o todo".

A criança aponta com o indicador direito a palma da mão esquerda, levando esta, de seguida, à boca; excelente exercício de coordenação motora de uma e outra mão.

  "Pico, pico, serenico,/ quem te deu tamanho bico/, ou de oiro ou de prata/ Esconde a mão neste buraco".

  O toque sucessivo nos dedos, até que a última sílaba decrete quem o dedo deve ser dobrado, é outro exercício muito útil de motricidade.
Vai a criança crescendo, e as suas lengalengas podem utilizar-se com outras finalidades: as lengalengas, trava-línguas que exigem um cuidado maior na pronúncia, como por exemplo:

  "Por debaixo daquela pipa está uma pita, quando pinga a pipa, pia a pita" (Pita no falar nordestino tem o significado de galinha; podemos, no entanto, substituía-la por pinta, mais familiar à criança do sul).

  Outra: "Pardal pardo, porque palras? /Palro sempre e palrarei/porque sou pardal pardo, palrador de el-rei".

  Ou então: "Se a pega papa a fava/porque é que a fava não papa a pega?"

  Mais ainda: "Um, dois, três tigres" e "Copo copo gericopo, gericopo copo cai. Quem não disser três vezes copo copo gericopo, gericopo copo cá, desta água não beberá".

  "Vi um ninho de mafagafos com cinco mafagafinhos. Quando a mãe mafagafa sai e vai ao mar, ficam os mafagafinhos todas a mafagafar."

  Uma das características das lengalengas populares é o seu humor decorrente do absurdo. "Nonsense stories" dizem os ingleses. Não interessa, pois, a lógica que existe na narrativa de um conto, mas sim o divertimento sonoro que os fonemas articulados proporcionam.

  Poderíamos ainda referir as lengalengas de repetição acumulativa ou parlendas, tais como "A Formiguinha e a Neve" ou "O Cuco que não gostava de couves". Nestas pretende-se um treino de memorização, já compatível com outra faixa etária.

  Todos estes recursos podem e devem ser utilizados, com bons resultados, também no ensino especial para crianças com problemas de linguagem ou de coordenação motora.

  Assim, de geração em geração, recebe-os a preciosa herança de um ensinamento que o povo empiricamente praticou para, afinal, serem atingidos objectivos essenciais ao desenvolvimento harmonioso do ser humano.

in
Cadernos de Educação de Infância - Jan./Mar. 2004
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