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Direitos: o que as crianças sabem e dizem sobre os direitos da criança…
Novembro, 2007
Catarina Almeida Tomás - Socióloga e Docente - Universidade da Beira Interior

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Catarina Tomás, Socióloga e docente da Universidade da Beira Interior. Investigadora do Centro de Investigação para a Promoção da Literacia e Bem – Estar da Criança (LIBEC) do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho.

   Quando falamos sobre direitos da criança (DC) podem ser adoptadas várias visões e assumidas diversas perspectivas: assumir uma visão individualista, que esquece que o indivíduo vive em sociedade, ou assumir uma concepção essencialista, que não funciona porque se não houver condições estruturais para que os direitos sejam implementados e garantidos eles não se concretizam só porque existem ou estão consagrados. São duas ideologias a-sociológicas e individualistas sobre os direitos da criança. Uma das posturas que pode contribuir para ultrapassar os referidos obstáculos parte das próprias imagens, concepções e saberes das crianças sobre os seus direitos através de um processo de desmonopolização da pericialidade (Beck, 2000:29), ou seja, deve abandonar-se a ideia de que os adultos sabem exactamente, ou pelo menos sabem melhor, o que é certo e bom para as crianças, sem nunca lho perguntarem.

   O que são direitos?

   Segundo Levy, as crianças "só podem verdadeiramente compreender conceitos e proposições abstractas assimilando-os metaforicamente, ou por associação a experiências concretas, seja emocionais, físicas, sensório-motores, espaciais, sociais, etc." (1988:130).

   As crianças sabem quando os seus direitos são violados ainda que, por vezes, lhe custe definir, exactamente, o que são direitos e o que são os DC. Há uma maior interiorização pelas crianças do que são os seus deveres e do discurso de "bons comportamentos". Verificam-se, no entanto, diferentes concepções de acordo com a idade. As crianças do 1º/2º ano (1) têm uma concepção mais abstracta dos direitos. As do 3º/4º ano e 4ª série conhecem a existência dos DC mas têm alguma dificuldade em os explicar. As crianças têm desenvolvido uma compreensão dos direitos como algo que alguém pode ou quer fazer. Nenhum grupo definiu explicitamente a universalidade como a razão fundamental pela qual as crianças devem ter direitos. E, maioritariamente, assinalaram o direito a brincar como o mais importante.

   A forma de pensar das crianças sobre os direitos é influenciada pelo contexto social onde estão inseridos e pelo tipo de direito que lhes é pedido julgar. Ou seja, percepcionam os direitos a partir das suas próprias vidas. Segundo Ruck et al. (1998), o pensamento abstracto sobre os direitos e a sua aplicação efectiva pode advir, em parte, da pouca informação que as crianças têm sobre os direitos, em geral, e que vai variando de acordo com as suas próprias vidas. Contudo, alertam para o perigo de generalizar estas conclusões a todo o grupo social da infância sem considerar o contexto onde vivem.

   A maioria dos estudos sobre as representações, imagens/ou concepções das crianças sobre os seus direitos (Torney e Brice, 1982; Melton e Limber, 1992; Wade, 1994) sugere que há tendência, ampla e global, para uma representação abstracta dos direitos. E que o grau de representação abstracta pode variar dependendo do assunto sobre o qual se convida as crianças a pensar e a dar opinião: os direitos como conceito global ou direitos que têm a ver com as suas próprias vidas.

   Painel de Plasticina: da crítica à participação

   A proposta das crianças da Sala de Estudo do 1º ano (Barcelos) para construírem um painel de plasticina sobre os DC permitiu-nos compreender as imagens e concepções de direitos que as crianças têm e compreender as relações complexas e dinâmicas entre as crianças durante a construção do painel, o que se pode caracterizar como um mapa-mental que se constitui de "imagens cognitivas visuais do mundo que nos rodeia" (Santos, 1988:144).



   O Painel dos DC foi sempre concebido pelas crianças como flexível e mutável. Durante todo o processo de construção, alguns direitos foram retirados, outros alterados e ainda outros recolocados. Trata-se de um painel onde são múltiplas as formas de representar os DC e múltiplas as linguagens utilizadas (figuras em plasticina escrita, etc.).

   Os direitos escolhidos pelas crianças e representados no painel são: Direito a estudar; Direito de tomar banho (piscina); Direito de brincar; Direito a ter amor (dos pais); Direito a passear; Direito a ter vaquinhas; Direito a andar; Direito a ter uma bandeira (1bandeira de Portugal fixa; 2 bandeiras móveis: Sport Lisboa e Benfica e Futebol Clube do Porto); Direito a ter um mundo; Direito a comer; Direito a ter casa; Direito a ouvir música; Direito a não ter frio; Direito a chover; Direito a ter sol; Direito à família.

   Esses direitos indicam uma interacção complexa entre as vontades, os desejos e o que as crianças conhecem. Não se trata de um pluralismo de direitos da criança, mas da sobreposição, articulação e interpenetração de vários espaços de DC misturados, nas atitudes, nos comportamentos, nos quotidianos e nos discursos das crianças.

   Os DC representados pelas crianças reflectem a sua imersão num universo simbólico que se constrói, segundo Sarmento (2004d), pela intersecção de vários planos: o da educogenia familiar, associada às condições de classe, à pertença étnica, etc.; o da cultura local, transmitida pelas suas tradições, pelas instituições locais e pelas relações de vizinhança; o da cultura nacional, comunicada através das instituições sociais; o da cultura escolar, parcialmente aberta à cultura local e à cultura nacional, mas distinta na forma escolar; e o da cultura global, comunicada pelos meios de difusão de massa e pela indústria cultural.

   Podemos ainda afirmar que há uma linguística da participação e de construção dos sentidos. Pela análise dos direitos escolhidos, podemos descobrir um discurso das afectividades e dos contextos sócio-familiares destas crianças.

   Podemos afirmar que as crianças são competentes nas questões relacionadas com a sua vida e na transmissão profunda das suas próprias experiências e perspectivas; são comunicadores hábeis e têm uma multiplicidade de linguagens através das quais conseguem conceber opiniões e vivências; são agentes activos que influenciam o mundo e aqueles que com elas interagem; são construtores de significados, elaborando e interpretando o sentido da sua existência.

(1)Este texto resulta de um trabalho de investigação desenvolvido entre 2004-2006 em duas escolas do ensino básico do 1º ciclo do concelho de Barcelos, com grupos de crianças do 1º ao 4º ano.
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