A doença celíaca - intolerância ao glúten - está sub-diagnosticada em Portugal e deverá afectar 100 mil pessoas no país.
As contas são da Associação Portuguesa de Celíacos (APC), que conta com 1.100 sócios que tiveram de excluir da sua dieta produtos com trigo, aveia, centeio e cevada.
Um desses associados é a família do médico Mário Santos, que demorou seis meses a diagnosticar a doença celíaca na sua filha de dois anos devido ao "quadro de sintomas difusos".
"Agora, olhando para trás, para as nossas fotografias, eram evidentes os sintomas como a distensão abdominal", referiu à Agência Lusa o médico de clínica geral, cuja experiência familiar já o levou a diagnosticar entre os seus pacientes um caso de doença celíaca.
Os primeiros sintomas notados na menina foram a irritabilidade e a tristeza, depois surgiu o quadro de diarreia profusa e perda de peso.
A intolerância ao glúten é "uma doença muito dissimulada e muitas vezes sem manifestações típicas". "A tríade clássica numa criança celíaca é a perda de peso, diarreia e distensão abdominal", afirmou Mário Santos.
Em adultos, o quadro clínico mais comum é a anemia. Nestes casos, o aparecimento da intolerância ao glúten pode estar ligado a uma forte alteração na vida, como uma mudança de emprego ou de país ou a morte de um familiar.
"A carga genética é muito importante, mas também há factores ambientais que podem ter um efeito desencadeador da doença", referiu o presidente da APC, Mário Rui Romero, observando que a maior parte dos profissionais de saúde não estão sensibilizados para a doença nos adultos.
"Os médicos acham que é uma doença de crianças e muitas vezes os celíacos passam por hipocondríacos", disse.
A prevalência da doença é maior entre as mulheres, registando- se três celíacas para um homem. A doença celíaca pode conduzir a casos de tumores intestinais. Nas mulheres os seus efeitos poderão passar por dificuldades em engravidar e abortos.
Depois de confirmada a doença, a família de Mário Santos alterou todo o seu quotidiano. "De início só se vêem alimentos com glúten, até porque os cereais são a base da alimentação ocidental", contou.
Estender a alimentação sem glúten a toda a família, preparar diariamente almoços e lanches e organizar sacos de guloseimas habitualmente distribuídos nas festas de aniversário foram algumas das "conquistas diárias".
O elevado custo dos produtos específicos e a falta de regulamentação dos alimentos quanto à sua composição tornam mais difícil a adaptação a uma nova realidade.
Romero defende ainda a possibilidade de apresentação na declaração do IRS das facturas de alimentos sem glúten como despesas de saúde. O único apoio estatal existente é um abono de família complementar por deficiência até aos 24 anos ou início da actividade laboral.
"As análises para as empresas seriam baratas e contribuíam para aumentar a sua responsabilidade social. As empresas deviam perceber que os seus consumidores não são só os celíacos, mas também as suas famílias", defendeu o presidente da APC.