Susana Gabriela Moreira Costa Lima Poças, Fisioterapeuta – a exercer no Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral do Porto. supocas@gmail.com
O bebé vem ao mundo trazendo com ele capacidades imensas para estabelecer uma relação humana. Ele é, de imediato, um participante activo na formação das suas primeiras e mais importantes relações. A sua preparação social, embora extraordinária, é obviamente imatura. No entanto, a noção de imaturidade tem em si um peso excessivo que nos bloqueia. O rótulo “imaturo” não pode servir como luz verde para pormos de lado um comportamento, até que chegue a sua versão de maior maturidade; nem pode ser um convite para focarmos o próprio processo de desenvolvimento – a misteriosa série de transformações até à maturidade. Em última análise, cada ser humano é simplesmente aquilo que é, no momento em que o encontramos. (1)
A primeira revelação que o bebé tem do mundo humano consiste simplesmente em tudo quanto a sua mãe faça de facto com o rosto, voz corpo e mãos. O decorrer contínuo dos seus actos fornece ao bebé o princípio da sua experiência com o material da comunicação e das ligações humanas. Esta coreografia de comportamento maternal, é a matéria – prima do mundo exterior com a qual o bebé começa a construir o seu conhecimento e a experiência de tudo o que é humano: a presença humana, o rosto e voz humanos, as suas formas e modificações, as expressões, as unidades e significado dos comportamentos, a relação entre o seu próprio comportamento e o de outra pessoa. (1)
Em 1990, Barnard e Kelly definiram a interacção como uma dança adaptativa mútua, que pressupõe quatro características: (2)
• Repertório de comportamentos de cada elemento da díade: da mãe destaca-se a capacidade para interpretar os sinais do bebé, bem como comportamentos de envolvimento e estimulação; da criança esperam-se competências sociais (ouvir, olhar, atenção visual da mãe, adaptação corporal ao movimento) e ainda regularidade e previsibilidade nas respostas.
• Contingência da resposta por parte de ambos os elementos da díade.
• Riqueza das interacções avaliada, segundo os autores, pelo aumento de tempo, diversidade de brinquedos e actividades que a mãe dedica à criança.
• Mudança dos padrões adaptativos em função do desenvolvimento da criança.
Segundo Daniel Stern, (1) a mãe durante as interacções com o seu bebé, raramente ou nunca utiliza o quadro completo de expressões humanas que conhece. Só um número limitado de expressões é necessário neste período de desenvolvimento para regular o fluir normal da interacção, e para delinear os pontos principais desse fluir. O conjunto de sinais mais básico para este propósito consiste em exibições para iniciar, manter, modular, terminar e evitar uma interacção social.
Para iniciar ou dar sinal de vontade ou de convite para interacção: a expressão de fingida surpresa serve esta função.
Parece-se com uma caricatura de uma reacção de surpresa ou de orientação e tem muito de comum com os comportamentos universais raciais de saudações descritos por Irennus, Eibl-Eibesfeldt e por Rendon e Ferber. Nalguns tipos de interacções no brincar, é a expressão mais comum.
A manutenção e modulação de uma interacção em progresso: o sorriso e a expressão de preocupação servem estas funções. O sorriso é um potente sinal afirmativo, não só de que a interacção se está a passar, mas também de que se está a processar positivamente. A expressão de preocupação é também observada quando a interacção se processa negativamente, manifestada pelo choro, portanto a resultar mal. É uma tentativa clara, e talvez um sinal das intenções da mãe para tornar a focar, tornar a prender e assim manter a interacção.
A terminação da interacção: a careta com desviar da cabeça e o quebrar do olhar é um sinal para parar, pelo menos de momento, uma intenção que já não está a resultar para o bebé, para a mãe ou para ambos. A terminação pode, é claro, ser momentânea, e ser seguida de um sinal para reiniciar a interacção, recomeçando-a doutro modo.
O evitar uma interacção social: um rosto neutro ou sem expressão, mudo, especialmente com o evitar do olhar, é um sinal claro de falta de vontade ou de falta de intenção para estabelecer contacto activo.
Todas estas expressões que a mãe utiliza variam de indivíduo para indivíduo, assumindo graus de duração e intensidade diferentes.
O primeiro encontro entre a mãe e o bebé é marcado pelo olhar, sendo talvez a mais versátil das respostas interactivas. Os seus ciclos de actuação podem ser extremamente rápidos e funcionam tanto para receber como para enviar informação. (3)
Os primeiros anos de vida representam um período dinâmico, durante o qual a maturação dos diferentes sistemas do organismo e a interacção ambiental desempenham um papel de extrema importância no processo de desenvolvimento da criança. As alterações motoras que afectam os sistemas sensório-motores vão influenciar significativamente este processo. (4)
O nascimento de uma criança deficiente traz aos pais um grande stress emocional, podendo por isso provocar alterações no seu comportamento, fazendo assim com que as experiências de interacção com um bebé que tenha alterações neuromotoras sejam diferentes das interacções com um bebé saudável.
Se existirem poucas oportunidades para interacções recíprocas e, consequentemente, poucas oportunidades para aprender, poderá haver défices no futuro desenvolvimento da criança.
Por outro lado, as perturbações na interacção diádica mãe-criança, podem advir das condições patológicas da criança que a impossibilitam muitas vezes de comunicar.
Almiral refere quatro défices que podem influenciar gravemente a interacção com estas crianças: (4)
• A capacidade reduzida para interagir e explorar o meio.
• A capacidade reduzida para jogar e interagir com outras pessoas através de movimentos e vocalizações para estimular a retroacção vocal dos outros.
• A dificuldade para expressar emoções, necessidades e pensamentos e para trocar informações com os outros.
• A dificuldade para controlar os mecanismos de comunicação normal (fala e movimentos motores finos)
Bebés com alterações neuromotoras têm alterações da postura e do movimento, o que condiciona a interacção com o seu meio ambiente. Por um lado as alterações posturais nem sempre permitem o contacto facial necessário à interacção comunicativa como também, essas limitações de padrões de movimento podem afectar negativamente a interpretação das mães quanto às capacidades interactivas dos seus filhos.
Um dos objectivos da intervenção terapêutica em crianças com alterações neuromotoras e com as suas famílias, nomeadamente as mães é, assim, facilitar a interacção mãe-filho.
BIBLIOGRAFIA
1. Stern D., Bebé-mãe : primeira relação humana. 1ª ed. : Moraes Editores; 1977
2. Barnard K. E., Kelly J. F., Assessment of parent – child interaccion. In Meisels S. J. & Shonkoff J. P. Eds, Handbook of Early Childhood Intervencion . New York. Cambridge University; 1990
3. Shaffer H. R., Interacción y socialización. Aprendizaje Visor; 1989
4. Marques M.R., Comunicação e linguagem na interacção entre mãe e criança com paralisia cerebral aos 2 anos de idade. Estudo exploratório, 1998