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Promoção da saúde de crianças hospitalizadas pelo exercício de actividades artísticas: percepção dos profissionais, dos pais e das próprias crianças
Fevereiro, 2012
Rocha, D.M. & Carvalho, G.S. (2010) In: Actas do VI Seminário Internacional de Educação Física, Lazer e Saúde, Curitiba, Paraná, Brasil

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  Resumo

  Palavras-chave: Actividades artísticas, qualidade de vida, tratamento hospitalar.

  A criança hospitalizada, em particular a criança em tratamento oncológico, apresenta elevado grau de stress, perturbador do seu bem-estar, pelo que o exercício da actividade artística pode contribuir para ultrapassar esta situação depressiva e contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida.

  No presente estudo analisámos a percepção dos profissionais de saúde e de educação, dos pais e das próprias crianças hospitalizadas sobre as actividades artísticas desenvolvidas no âmbito do apoio pedagógico (AP) e de actividade dos tempos livres (ATL), no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto.

  As actividades artísticas de AP ocorreram durante todo o ano lectivo e as de ATL nas férias escolares. A amostra compreendeu três grupos: Grupo-A, com 15 sujeitos de equipa do IPO (4 enfermeiros, 3 médicos, 3 professoras, 2 assistentes operacionais, 2 voluntários e 1 educadora); gupo-B, com 11 progenitores (10 mães e 1 pai), e o grupo-C com 6 crianças, com idades entre os 5 e 13 anos praticando actividades de AP e de ATL. Aos três grupos aplicou-se um questionário/entrevista adaptado do "Pediatric Oncology Quality of Life Scale (POQOLS) de 1994". Em geral, a visão dos sujeitos sobre a prática das actividades artísticas neste âmbito hospitalar foi claramente positiva. A equipa pedagógica enfatizou a sua importância como mediador na aprendizagem de outras disciplinas. Os pais e equipa não médica salientaram a sua contribuição no desenvolvimento cognitivo e na abstracção do ambiente hospitalar. As próprias crianças destacaram que sentiam bem-estar durante a realização das actividades e demonstraram uma disposição positiva, no sentido de extroversão e adesão às actividades, valorização pessoal e integração social. No seu todo os resultados mostram claramente que as actividades artísticas promovem nas crianças hospitalizadas ocasião para expressarem os seus sentimentos e as suas vivências, contribuindo assim para a promoção da saúde e da sua qualidade e vida.

  1. Introdução

  Actualmente, os grandes centros de oncologia e instituições de apoio ao doente com cancro têm vindo gradualmente a incluir nos seus programas de assistência, a concepção de interdisciplinaridade (Vasconcellos, 2000). Um exemplo em Portugal é o Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto onde, na área da Pediatria, se observa esta introdução de interdisciplinaridade através do apoio pedagógico (Rocha, 2008) representando a expressão plástica, como actividade lúdica e mesmo inserida em aulas pontuais, uma das actividades preferenciais das crianças (Maia, 2007).

  Alguns pacientes, e sobretudo as crianças, sentem por vezes grande dificuldade em expressar-se verbalmente. A terapia pela arte possibilita ultrapassar estas dificuldades, proporcionando a satisfação da expressão através da utilização de materiais muito simples e de fácil acesso (Sousa, 2005).

  Este estudo tem como objectivo fundamental aceder à importância e ao papel que as actividades artísticas desempenham como interventor positivo na melhoria da qualidade de vida de crianças com cancro em tratamento na pediatria no IPO do Porto.

  2. Método

  Após entrevista informal sobre as actividades artísticas desenvolvidas no âmbito do apoio pedagógico (AP) e de actividade dos tempos livres (ATL), no Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto à equipa pedagógica, aos pais e às próprias crianças hospitalizadas, produziram-se três questionários semelhantes mas específicos para cada um dos referidos grupos, a partir de itens considerados relevantes para os mesmos. Assim, os questionários contêm temas relacionados com as actividades artísticas realizadas no âmbito do hospital e os possíveis benefícios destas para a qualidade de vida e bem-estar das crianças em tratamento.

  A recolha de dados foi realizada durante o ano lectivo de 2009/2010 e a amostra foi composta por 32 sujeitos divididos em três grupos distintos: Grupo-A com 15 sujeitos da equipa médica e não-médica (4 enfermeiros, 3 médicos, 3 professoras, 1 educadora, 2 assistentes operacionais e 2 voluntários); grupo-B com 11 progenitores cujo os filhos, com idades entre os 2 e 5 anos, em tratamento a mais de 2 meses com neoplasias diversificadas, sendo o tumor de Willms o mais frequente (4), havendo também casos de Leucemia (1), Leucemia Linfoblástica (1), Leucemia Linfoblástica aguda (1), Linfoma de Burkitt (1), Neuroblastoma (1), Hepatoblastoma (1) e Neuroblastoma de Alto Risco (1); e grupo-C com 6 crianças com idades entre os 5 e 13 anos sem a indicação das neoplasias que estavam a tratar.

  3. Resultados

  3.1. Actividades artísticas - importância no âmbito hospitalar

Presente nos três questionários, o item "actividades artísticas - importância no âmbito hospitalar" revela a consideração que os entrevistados dão às actividades artísticas. A Tabela 1 mostra que há grande concordância entre os entrevistados no que diz respeito a julgarem relevante a realização das actividades artísticas (AA) no período de permanência das crianças no âmbito de tratamento, tendo referido preferencialmente "Sim, sempre" mas também "Sim, muitas vezes".

  Tabela 1 - Acha importante as actividades artísticas realizadas no âmbito da Pediatria do IPO?



  3.2. Bem-estar e comportamento

  Todos os entrevistados estão de acordo que se observam sinais de melhoria do bem-estar e comportamento das crianças aquando das AA, embora as 3 professoras, os 3 médicos, e os 2 voluntários refiram apenas "Sim, muitas vezes" e os restantes entrevistados se distribuam entre "Sim, sempre" (Tabela 2).

  Tabela 2 - Observa algum sinal de melhoria no bem-estar e ou comportamental da criança ao realizarem actividades artísticas?



  No que diz respeito a alguns traços de melhoria apresentados pelas crianças, os progenitores e os membros da equipa técnica e não técnica tenderam a considerar a "Boa Disposição+Extroversão+Valorização Pessoal" como a principal melhoria, ou seja, consideram que as AA influenciam três das quatro dimensões propostas, tendo pois excluído "Integração social". No entanto, no seu todo, os respondentes tenderam para a "Boa disposição", que é o factor que foi seleccionado com maior frequência: 20 vezes (Tabela 3).

  Tabela 3 – Se sim, que tipo de melhoria?



  Para além destas opções, alguns sujeitos ainda acrescentaram por escrito no item "outras" algumas impressões que caracterizam outros traços no modo como as crianças se apresentavam e do que adquiriam no exercício das actividades artísticas, tais como: entusiasmo, criatividade, auto-conhecimento e sentido estético.

  A abstracção do tempo e espaço no ambiente hospitalar, o desenvolvimento cognitivo e auxílio para aprendizagem de outras disciplinas, foram também algumas das considerações apresentadas relativamente a outros benefícios sentidos no exercício da actividade artística como verificamos implícitas nas frases a seguir:

  - "Ajuda a criança a esquecer a problemática em que está."

  - "Alivia o stress relacionado com os procedimentos menos agradáveis no âmbito do tratamento."

  - "Ajuda a criança a recuperar-se mentalmente."

  - "Reforça os laços de amizade."

  - "Ficam mais bem-dispostas e não sentem tanto o tempo de espera para as consultas e para o tratamento."

  - "Com esta actividade posso partir para outras disciplinas que a criança precisa trabalhar."

  - "É fundamental para o desenvolvimento cognitivo."

  - "Meu filho passa o dia a comentar sobre o trabalho que fez e de todos que estiveram a acompanhá-lo no processo."

  - "A doença rouba aos meninos a infância ou parte dela. As actividades ajudam a recuperar a perda."

  - "Desenvolve competências manuais."

  - "Desde que veio para o IPO, durante as actividades a integração social tem sido muito importante. Ele ficou mais comunicativo e menos tímido."

  3.3. Estímulo à actividade de ocupação

  Com respeito ao "estímulo à actividade de ocupação", verificamos que 15 inquiridos assinalaram que "Sim, sempre" incentivam, e os outros 11 indicam que também incentivam "Sim, muitas vezes" (Tabela 4).

  Tabela 4 - Incentiva a (s) criança (s) ou filho (s) a prática das actividades artísticas como actividade de ocupação?



  3.4. Percepção de interesse em praticar Actividades Artísticas

  Na perspectiva dos pais e equipa médica e não-médica, as crianças gostam e valorizam a prática da actividade artística, sendo que 16 assinalaram aperceber-se do valor dado pelas crianças "Sim, muitas vezes", e 10 assinalaram "Sim, muitas vezes", como podemos observar na Tabela 5.

  Tabela 5 - Acha que as crianças valorizam e gostam de participar desses tipos de actividades?



  3.5. Actividades plásticas mais procuradas pelos filhos

  Segundo a opinião dos pais, as AA são diversificados, não tendo as crianças uma actividade propriamente de eleição, sendo talvez a colagem a actividade de mais interesse para as crianças (Tabela 6).

  Tabela 6 - Que tipo (s) de actividade (s) plástica (s) seu filho (s) mais gosta de praticar?



  3.6. Momentos de introspecção

  Em muitas fases do ciclo de tratamento, a criança pode recolher-se com mais frequência. Isto deve-se a períodos em que a criança se encontra mais fragilizada. O facto de ter que ficar em isolamento no quarto, devido a uma baixa nos índices de imunidade, encontrarem-se debilitados pela toma de alguns medicamentos, as dores sentidas, e o sentimento de tristeza, são alguns dos aspectos que os pais mencionam como causadores do resguardo dos filhos.

  Ainda assim, 7 pais afirmam que os filhos se recolhem "Sim, poucas vezes", dois não se apercebem desse momento de introspecção, um reconhece que o filho se recolhe muitas vezes e outro revela que a criança se recolhe sempre. Ainda procuramos saber, se mesmo nesse momento de maior retiro e dificuldade física, as crianças se ocupavam com o exercício de actividade plástica. Segundo os pais, mesmo fragilizadas fisicamente, as crianças procuram realizar alguma actividade artística, e somente duas não usam deste recurso nesta fase.

  3.7. Iniciativa da criança

  Quando questionamos os pais acerca da quantidade de vezes que os filhos recorrem às actividades artísticas durante o dia que passam no hospital, 7 pais responderam que as crianças procuram as actividades mais que uma vez e 4 que praticam apenas uma vez. Procuramos também perceber se ao término, ou no intervalo do ciclo de tratamento, a criança recorre a esta prática em casa, sendo que 8 pais afirmam que "Sim, muitas vezes" e 3 que "Sim, poucas vezes".

  3.8. Prazer da criança nas Actividades Artísticas

  Um dos aspectos fulcrais que pretendemos estudar é a atitude da criança, através da sua própria visão, com relação às actividades artísticas viabilizadas pelo apoio pedagógico como actividade de complemento escolar ou como actividade de ocupação. Todas as 6 crianças inquiridas dizem gostar sempre da prática durante o seu período de tratamento. Relativamente ao momento do dia que preferem fazer essas actividades, duas crianças mostram estar mais dispostas ao exercício somente durante a manhã e quatro crianças pela manhã e tarde. Sobre o local em que se sentem mais a vontade para o fazer, cinco preferem a sala de actividades, enquanto uma prefere o quarto.

  3.9. Sensação de bem-estar

  Um dos aspectos que nos interessava aceder era se as próprias crianças sentiam algum tipo de melhoria no seu bem-estar quando estavam a realizar as actividades artísticas. Das 6 crianças, 4 dizem que "Sim, sempre" sentem melhoria, uma responde que sente bem-estar "Sim, muitas vezes" e apenas uma diz que não sente efeito.

  3.10. Criatividade e escolhas

  Relativamente à criatividade, lançamos algumas questões com o intuito de perceber alguns dos aspectos da expressão plástica. Pela Tabela 7 verifica-se que elas se distribuem por todas as associações de cores.

  Tabela 7 - Qual a cor ou cores que mais gosta de utilizar nos seus desenhos e pinturas?



  No que diz respeito à estação do ano que mais gostam de representar em pintura e ou desenho 3 optam pela Primavera, 3 pelo Verão e uma pelo Outono. Não havendo nenhuma opção assinalada para o inverno, as crianças elegeram as paisagens com mais alternativas de cores. E finalmente, na Tabela 8, pode observar-se que as crianças também se distribuem por todo o tipo de actividades, sendo que o desenho e a pintura aparecem com mais frequência, o que pode estar relacionado com a viabilidade dos materiais e a rapidez com que podem ser executados.

  Tabela 8 - Que actividade artísticas mais gosta de praticar enquanto está no hospital?



  4. Conclusões

  De uma forma geral, os sujeitos inquiridos neste estudo, atribuem um papel importante às actividades artísticas realizadas neste âmbito hospitalar. Como sinais de melhoria no bem-estar, as crianças podem apresentar boa disposição, extroversão, valorização pessoal, e integração social. Verificamos que na perspectiva dos pais, enfermeiros, médicos, professoras, assistentes operacionais, voluntários, educadora e das próprias crianças, este exercício intervém de forma positiva contribuindo não só nestes aspectos, mas também para a abstracção do tempo e espaço no ambiente hospitalar, no desenvolvimento cognitivo e no auxílio para aprendizagem de outras disciplinas.

  Constatamos que, mesmo em maior grau de dificuldade física, devido aos tratamentos aplicados em cada caso de neoplasia, as crianças ainda procuram ter acesso ao exercício das actividades, quer seja na sala de apoio pedagógico, quer seja no quarto. A maioria das crianças afirma dar-se bem e sentir-se melhor no exercício das actividades, podendo gostar mais de umas do que outras, o que pode estar relacionado com o material que está mais a jeito no momento. Aproveitam o tempo no ambiente hospitalar, quer pela manhã, quer pela tarde, fazendo uso da actividade. Quanto aos aspectos de expressão, podem optar por uma ou mais técnicas oferecidas, e por tema que proporciona maior utilização de cores, o que pode estar relacionado com a criatividade e ou próprio estado emocional.

  Bibliografia

  Maia, M. F. (2007). Porque estamos doentes e queremos saber - Contributos para a compreensão da construção e troca de saberes entre crianças em tratamento no IPOPFG. Dissertação de mestrado, Mestrado em Ciências da Educação -, Universidade do Porto – UP, Porto, Portugal.

  Rocha, D. M. (2008). A Possível Influência das Actividades Artísticas na Qualidade de Vida de Crianças com Cancro. Dissertação de mestrado, Mestrado em Estudos da Criança - Comunicação Visual e Expressão Plástica, Instituto de Educação, Universidade do Minho – UM, Braga, Portugal.

  Sousa, A. B. (2005). Psicoterapias Activas (Arte-Terapias). Lisboa: Livros Horizonte.

  Vasconcellos, E. A. & Giglio, J. S. (2007). Introdução da arte na psicoterapia: enfoque clínico e hospitalar. Revista de Estudos de Psicologia - Campinas, vol. 24, nº 3, 380.
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