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Sobre A Criança e os Telemóveis
Novembro, 2009
Instituto de Apoio à Criança - Centro de Estudos e Documentação sobre a Infância

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  O telemóvel ultrapassa actualmente a definição simplista de telefone portátil que estabelece comunicação com outros aparelhos sem necessitar de uma ligação física fixa (cabo) à rede de telecomunicações.

  Hoje, um telemóvel tem maior poder computacional do que os grandes computadores da há alguns anos atrás:

  "Para além da sua disposição para a conectividade ininterrupta, estes aparelhos móveis deixaram de ser apenas um dispositivo de comunicação e passaram a integrar, ao longo dos últimos anos, serviços que antes estavam separados: telefone; Internet; relógio; máquina fotográfica; máquina de filmar; rádio; agenda; e-mail; Messenger; consola de jogos; GPS; calculadora; mp3; fax… Para além da convergência de várias tecnologias num mesmo aparelho, foi-lhe atribuída a designação de computador de bolso.

  Deste modo, o telemóvel ao conquistar o ser humano com as suas mil e uma utilidades, adquire o estatuto de acessório estético que reflecte a personalidade de quem o utiliza, afastando-se da sua função primeira, ou seja, comunicar. O telefone móvel serve o seu dono na relação com o outro e consigo mesmo, graças às suas múltiplas e diversas possibilidades. "Em suma, o telefone móvel transforma-se num mundo inteiro. Tem dentro tudo aquilo a que se chamou televisão e tudo aquilo a que se chamou computador pessoal" (Andreoli, 2007: 28), o que levará inevitavelmente à extinção do televisor e do computador tal como os conhecemos. (Castro, 2008: 34)

  Ao seu crescente poder computacional junta-se o seu carácter omnipresente no nosso quotidiano, que leva inclusivamente à dependência psicológica.

  "Ao contrário do tempo da nossa infância, as crianças de hoje crescem em convívio directo e natural com aparelhos tecnológicos como o computador e o telemóvel.

  Ora, tal facto pode ser positivo ou negativo consoante o caso. Segundo Plant (citada por Girmino, 2002), é um facto que o telemóvel está a tornar-se parte do ser pessoa, já que a acompanha 24 sobre 24 horas, é, metaforicamente, o cordão umbilical que a liga aos pais atarefados, à escola, aos amigos, dando-lhe uma sensação de companhia e de segurança e de organização e coordenação do seu dia-a-dia. Por outro lado, este aparelho dá-lhe um maior sentido de responsabilidade porque o telemóvel está à sua guarda e são responsáveis por tudo o que lhe acontece. Este instrumento também lhes confere um sentido simulado de privacidade, liberdade e independência que aproxima as crianças do mundo dos adultos.

  Para os jovens não há tempos mortos. Os telefones móveis e as mensagens instantâneas expandiram a conectividade das crianças e o próximo. As mensagens viajam pelo espaço a uma velocidade alucinante. Há uma nova dimensão do tempo e do espaço se pensarmos que antes uma carta podia demorar meses a chegar ao seu destino. A validade das emoções e da ansiedade estendia-se pelo tempo e agora dilui-se e fragmenta-se em milésimos de segundos. Aliás, no que toca a estas formas de se relacionar que emergem tudo depende de decisões muito rápidas. Segundo Lévy (1997), o uso das novas tecnologias de comunicação fomenta as relações sociais, sendo que os usuários da Internet têm mais amigos e são mais sociáveis e relacionam-se mais com a família, o que refuta a ideia de isolamento inicialmente defendida por alguns pessimistas. As relações que se estabelecem através de dispositivos de comunicação como o telemóvel e o computador nem substituem o contacto face-a-face, nem impedem o contacto e as interacções de nenhuma ordem. "A imagem do indivíduo "isolado frente ao ecrã" é bem mais uma imagem fantasmagórica do que o resultado de um inquérito sociológico" (Lévy, 1997: 135), até porque a cibercultura proporciona o estabelecimento de relações ideias em comunidade desterritorializadas que se baseiam na partilha de interesses comuns e na aprendizagem cooperativa e colaborativa.

  Segundo Rieffel (2003), ter telemóvel ou estar ligado à Internet é um modo de demonstrar que se está em sintonia com os tempos actuais, evitando uma desclassificação social. As crianças, que crescem hoje na cultura do telemóvel e das comunicações mediadas, sentem essa demanda de estar a par das novidades tecnológicas, sector que dominam, face aos adultos. As crianças sabem mais sobre o assunto, utilizam mais, melhor e mais rápido. Este é um fenómeno de tal modo global que se propagou rapidamente. De um estudo realizado entre 2001 e 2003 um pouco por todo o mundo: Japão, Finlândia, Itália e Reino Unido entre outros países (Ling, 2004), resultaram algumas conclusões de relevo para esta investigação:

  - A taxa de indivíduos de 13 anos com telemóvel era superior comparada com a de 18 anos;
  - Cerca de 90% dos jovens entrevistados tinha telemóvel;
  - O número de raparigas com telemóvel era superior ao dos rapazes;
  - No início do estudo (em 2001) os rapazes pareciam pioneiros no uso das funcionalidades, mas depois destes dispositivos integrados no dia-a-dia as raparigas revelaram-se mais fluentes;
  - Os jovens usam o telemóvel porque:
  1.Garante uma sensação de segurança;
  2.Permite a coordenação das actividades ao longo do dia;
  3.Facilita a interacção social porque estão sempre acessíveis aos seus pares;
  4.É um acessório de moda com:
    a.Os toques;
    b.As cores;
    c.O modelo;
  5.Confere status social e promove a inclusão social ter o telemóvel mais caro e mais na moda e dominar a linguagem dos SMS’s;
  6.Garante a sensação de controlo do seu próprio canal de comunicação;
  7.Proporciona um carácter ilícito à comunicação que pode ser realizada durante as aulas, a altas horas da noite e veículo de mensagens de teor sexual;
  8.Concede a sensação de emancipação relativamente à forma como exploram as suas interacções sociais, permitindo um estado de pré-socialização mais próximo do estádio seguinte do seu crescimento nomeadamente no caso dos pré-adolescentes que se sentem participantes do mundo dos adolescentes e dos adolescentes que se sentem a participar do mundo dos adultos". (Castro, 2008: 38-39)

  É verdade que os telemóveis se transformaram num dos principais meios de comunicação para crianças, cada vez mais jovens. Mas nem tudo são vantagens. Há efeitos nefastos a considerar:

  "Não é de estranhar (…) que esta relação se torne obsessiva ao ponto de não poderem viver sem estes aparelhos agarrados a elas. As crianças estão cada vez mais dependentes dos telemóveis não só pelo crescente papel que desempenham na comunicação com os seus pares e familiares, o que faz com que releguem para segundo plano a comunicação face-a-face, mas também pela companhia que este utensílio proporciona na ocupação dos momentos mais solitários, já que permite ler, ouvir música, conversar com os amigos, navegar na Internet ou jogar. O telemóvel para as crianças assume o papel de um amigo e, por isso, registam-se casos sérios de dependência um pouco por todo o mundo. Daí também que se sintam perdidos quando estão sem o telemóvel ou sem Internet, como se perdessem uma parte de si.

  Estes casos de dependência, segundo Girmino (2002) são preocupantes porque podem desencadear sérios perigos para a saúde, bem como distúrbios psicológicos que podem fazer com que, por exemplo, o confronto cara-a-cara seja um problema. Há jovens inclusive que nem para dormir se separam do telemóvel. Um outro aspecto a reflectir prende-se com a facilidade com que as crianças cedem o contacto a terceiros transforma-os em vítimas de práticas de fraude, pedofilia ou de cyberbullying, que é uma prática emergente entre os mais novos.

  O multifacetado telemóvel ocupa um lugar central na vida das crianças, é um fenómeno global que tem, obviamente, as suas consequências se os pais não estiverem despertos para os sintomas de adição e dependência e educarem para o bom uso deste aparelho de comunicação digital. Existe já na Dinamarca uma clínica que trata de casos de ludopatia, o Projecto Homem, que ajuda no tratamento de pessoas que se tornaram escravo da tecnologia e que manifestam os sinais típicos da dependência: ansiedade, irritabilidade e baixos níveis de atenção. (Castro, 2008: 38-39)

  O telemóvel assumiu-se não só pela sua capacidade comunicacional e computacional mas igualmente como um símbolo de status, um acessório de estilo. Os jovens são especialmente permeáveis às "modas dos telemóveis".

  Uma tendência que se verifica é a preferência dos mais jovens pelas mensagens escritas, os SMS (Short Message System) em detrimento das chamadas de voz:

  -5,7 milhões de residentes em Portugal com 10 e mais anos costumam utilizar
  -SMS (Short Message Service);
  -Cerca de 48% destes indivíduos envia até 10 mensagens escritas por semana, havendo 11.1% que envia de 11 a 20 mensagens semanalmente, 12,1% que envia de 21 a 50 mensagens e 19,6% mais do que 50;
  -Em média, por semana, são enviadas 66 mensagens, o que corresponde a mais de nove por dia;
  -Entre os 10 e os 14 anos, 31% dos inquiridos diz enviar mais de 50 SMS por semana;
  -Entre os 15 e os 24 anos, os que afirmam enviar mais de 50 SMS sobe para 49,6%. Estes últimos enviam em média 157 mensagens por semana, uma média de 22 por dia;
  -No Interior Norte, Grande Porto e Litoral Norte, tal como entre as classes sociais média baixa e baixa, também se observam valores superiores à média.

  Divulgado no sítio http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=292825 (consultado a 31 de Agosto de 2007) ". (Castro, 2008: 40)

  A prática continuada da manipulação de telemóveis e envio de SMS provocou nas crianças uma agilidade desconhecida nas gerações anteriores que levou à denominação "A Geração Polegar":

  "Segundo José Manuel Gimeno, estudos realizados por Sadie Plant defendem que as crianças que cresceram manipulando telemóveis e consolas de jogos, modificam o uso habitual dos dedos e a habilidade com que manejam, em especial, o polegar. Graças a uma maior tonicidade muscular, agilidade e velocidade passam a efectuar com este dedo os trabalhos que se realizavam com o indicador.

  As crianças e jovens, mais conhecidas de "geração polegar" (Plant, 2002), não só enviam muitas mensagens escritas como também as escrevem com uma rapidez alucinante sem olhar para o teclado, porque já o têm memorizado. Os movimentos rápidos e mínimos, efectuados com os polegares, dão origem a páginas e páginas de diálogos que se enviam e recebem sucessivamente entre um receptor e um destinatário ou vários. Segue-se um excerto do livro Amor Líquido que elucida de forma muito simples e clara o que se acaba de referir (Bauman, 2003: 82-83):

  "Uma mensagem brilha no ecrã em busca de outra. Os seus dedos estão sempre ocupados: pressiona as teclas, digitando novos números para responder às chamadas ou compondo as suas próprias mensagens. Permanece-se conectado – ainda que em constante movimento, ainda que os remetentes ou destinatários invisíveis das mensagens recebidas e enviadas também estejam em movimento, cada qual seguindo as suas próprias trajectórias. Os telemóveis são para pessoas em movimento.

  Nunca perde de vista o seu telemóvel. A sua roupa de jogging tem um bolso especial para ele, e nunca sai com aquele bolso vazio, da mesma forma que não vai correr sem o seu par de ténis. Na verdade, nunca iria a lugar algum sem otelemóvel ("lugar algum" é, afinal, o espaço sem um telemóvel, com um telemóvel sem rede ou sem bateria). Quando está com o seu telemóvel, nunca está fora ou longe. Encontra-se sempre dentro – mas jamais trancado num lugar. Enclausurado numa teia de chamadas e mensagens, está invulnerável. As pessoas à sua volta não o podem rejeitar e, mesmo que tentassem, nada do que realmente importa iria mudar." (Castro, 2008: 32)
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