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A linguagem das crianças e adolescentes... um mundo a descobrir
Março, 2008
Mafalda Vasconcelos (aluna estagiária de Psicologia da U.P.),
Maria Emanuel Moreira (aluna estagiária de Psicologia da U.P.),
Maria José Ribeiro (Psicóloga U.P.)

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  "O António quer ser pintor. Adora desenhar e rabiscar. É inteligente e criativo, mas sente muita dificuldade em estar atento nas aulas, e por isso o seu rendimento não acompanha as suas potencialidades. Além disso, facilmente entra em conflito com os colegas e também é habitual desafiar a autoridade dos adultos. O seu pai é muito distante afectivamente, parecendo alheado dos sentimentos de todos os que o rodeiam, inclusivé dos do António; a sua mãe é uma pessoa sensível, afectuosa e compreensiva. O António diz abertamente que não gosta do pai. Há dias, após uma discussão conjugal, que foi presenciada pela criança, o pai ameaçou que um dia sairia de casa. Após a saída deste para o café, o António ficou perturbado e nervoso, chorando descontroladamente, pensando que o pai nunca mais iria voltar."

  "A Rita é uma adolescente tímida e acanhada, que encara com pessimismo e pouca determinação os diferentes desafios que encontra ao longo da sua vida. De pequenina ouvia a mãe chorar por se sentir sozinha, enquanto via o seu pai desaparecer no escuro da noite e voltar sem tempo nem espaço no seu coração para dar e receber o amor da sua família. Agora, a vida pede à Rita que esta seja forte, sociável e aventureira, mas tudo isto é um mar de tormentos para ela, que aprendeu desde sempre a ver-se de forma distorcida e a ter medo de arriscar ser feliz com os outros."

  "O Carlos é uma criança que foi retirada aos seus pais. Desde cedo vivenciou a negligência e o abandono, os quais procura que voem do seu pensamento, fugindo a abordar as suas experiências. Foi entregue a uma familiar já muito idosa, a quem respeita e ama sem nada lhe exigir, embora esta lide com ele de um modo rude, pois também não conheceu, ao longo da sua vida, outro tipo de tratamento. É notório um desconforto consigo próprio, quando faz afirmações que espelham essa situação, como por exemplo "eu sei que sou burro". A sua carência afectiva revela-se numa busca incessante de afecto. No entanto, aos olhos de quem lida com ele, parecem apenas emergir os comportamentos violentos que tem para com alguns colegas."

  Existem muitas histórias vivas de crianças e adolescentes que crescem na crítica, na desvalorização e mesmo no abandono, negligência e maus-tratos físicos e psíquicos.
  Para quem lida diariamente com a faixa etária da infância e juventude, faz sentido reflectir sobre a forma como os menores comunicam ao mundo o que lhes vai por dentro... Assim, é muito importante estarmos atentos a pequenos sinais que as crianças e adolescentes nos vão dando, sob a forma de atitudes, comportamentos, gestos, silêncios, por detrás dos quais se encontra um significado que vale a pena aprender a descodificar.
  Se as crianças nascem sem saber falar e andar, porque é que umas aprendem comportamentos de afecto e outras de violência?
  O Carlos frequentemente encontra motivos para entrar em conflito com os colegas, o que o leva a ficar muitas vezes de castigo. Que interpretação podemos fazer quando, após esta exteriorização, ele pede insistentemente "desculpa"?
  Talvez o Carlos, na sua busca incessante de aprovação e afecto, sinta que a sua passividade não é notada, enquanto que o rebuliço de uma discussão lhe pode trazer aliados, se provar que é forte!
  Serão as crianças, como o Carlos, reconhecidas pelos seus êxitos ou algo que fizeram bem? Quando tal não acontece, estas podem procurar uma outra forma de chamar à atenção
  A Rita, por seu lado, parece desistir de provar ao mundo que tem valor. Ao olhar para si própria de uma forma negativa, não consegue aceitar-se na sua individualidade e também não encontra identificação com os seus pares, evitando a todo o custo a partilha de experiências com os mesmos, que são fundamentais ao seu crescimento pessoal e social. A tristeza no seu olhar e a sua falta de interesse pela escola e pela possibilidade de estabelecer relações de amizade, que significado encerram?
  E o António, o que guarda por detrás da sua impulsividade e atitude de desafio? Talvez apele a uma proximidade com os pais e entre os pais, estando atento às suas respostas. Por vezes, cai na revolta quando as suas expectativas não são correspondidas. Se a criança vive em desintegração consigo própria, também vive desintegrada dos outros e do mundo, não pensa, age, ou age para não pensar, desafia como forma de procurar a aceitação incondicional.

  Evitar falar ou fugir a um assunto relacionado com a família, também pode ser a nossa defesa, como acontece com o António e mesmo com o Carlos, que protegem os seus significativos, afastando a todo o custo qualquer tipo de comentário depreciativo sobre os mesmos. Será que o fazem na tentativa de criar uma realidade mais colorida ou tolerável?

  "A forma como uma criança ou adolescente é ou se sente, é de difícil descrição. Não cabe nunca só em palavras, ou desenhos, ou em formas únicas de comunicar com o exterior. Somos sempre tudo o que pensamos, sentimos, dizemos, fazemos, tal como somos o que não dizemos ou não fazemos. O nosso interior não se inscreveria nunca nem em milhares de livros, porque ele é também aquilo que os outros conseguirem perceber dele. Todas as pressões da vida contemporânea tornaram mais difícil ouvir aquilo que as crianças e os adolescentes têm para nos comunicar. Muitos adultos, tensos e preocupados, com pouco tempo para reflectir nos seus próprios sentimentos, acabam por bloquear ou responder agressivamente ao que procuram comunicar.
  Mas os pais ou adultos com essa capacidade são capazes de fornecer experiências emocionais de qualidade que são a base para o crescimento de sentimentos de segurança, suporte e pertença. Um dos maiores desafios é o de criar uma cultura de compreensão do mundo interior, da vida emocional das nossas crianças e adolescentes."
(Strecht, 2001)

  Onde podem encontrar, o António, a Rita e o Carlos, o afecto que tanto procuram? Não será muito exigente pedir que sobrevivam sozinhos?
  Por tudo isto, é importante que todos nós, enquanto pais, amigos, professores, sejamos capazes de abrir as portas do nosso coração para poder dar às crianças e aos jovens, o afecto e incentivo a um crescimento pessoal e social em harmonia e interacção positiva com aqueles que os rodeiam.
  Assim, muito para além do que por vezes imaginamos, cada palavra, impaciente ou meiga, cada gesto, áspero ou calmante, cada expressão, aprovadora ou desaprovadora, poderá ter um impacto determinante nos caminhos que podemos ajudar a construir.

Leituras de interesse:

  Biddulph, S. (2001). O Segredo das crianças felizes. Queluz: Alda Editores.

  Strecht, P. (1998). Crescer Vazio. Lisboa: Assírio & Alvim.

  Strecht, P. (2001). Interiores. Lisboa: Assírio & Alvim.


Mafalda Vasconcelos (aluna estagiária de Psicologia da U.P.)
Maria Emanuel Moreira (aluna estagiária de Psicologia da U.P.)
Maria José Ribeiro (Psicóloga U.P.)

As autoras exercem funções na área de intervenção comunitária n’O Abrigo - Centro de Solidariedade Social de S. João de Ver(Santa Maria da Feira).
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