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Projecto leva aulas a crianças hospitalizadas Lições de vida no internamento pediátrico
21-03-2007
Expresso - Cátia Mateus
Na grande Lisboa há cerca de 300 crianças internadas, maioria com cancro, para quem o único contacto com a escola se faz com recurso à tecnologia. Estão doentes, mas a vontade de aprender não está.
São miúdos que estão internados em hospitais ou recolhidos em casa que encontram no computador em rede a sala de aula e uma janela para o mundo. Aprendem a matéria por videoconferência, fazem exames e contactam outras crianças numa escola sem paredes, feita à sua medida. É o materializar do princípio da igualdade de oportunidades no acesso à educação, embora ainda haja um longo caminho a percorrer. Exemplo disso? Além destas crianças, há muitas outras espalhadas pelo país, em iguais circunstâncias, mas a quem a tecnologia ainda não chegou e a ida à escola é um sonho impossível.
Um desafio diário
Na escola da unidade de pediatria do Instituto Português de Oncologia (IPO), o espaço é pequeno para alunos e pais (que estão sempre por perto). Lá dentro, os olhos estão postos no computador e aguardam com expectativa o "bom dia" já familiar vindo dos alunos da Escola EB 23 Gaspar Correia. O dia é de desafio: vão testar-se os conhecimentos dos alunos num jogo de cultura. Equipas reunidas e respectivas claques de incentivo, as professoras Ana Margarida Castro, a Magda Magalhães Maria José Semendo dão o sinal de partida. Lançam-se os dados, alternadamente, sem lugar a batotas, e arriscam-se as respostas.
Ganhou a Gaspar Correia, mas o IPO prometeu a desforra. Terminada a aula, os alunos de ambas as escolas apoderam-se do "olho mágico" e aproveitam o intervalo para conversar entre si. Conhecem-se. Já são amigos. Sabem quem está do outro lado e qual a importância desta forma de aprender. Uns interiorizam o real valor da palavra ajuda. Outros, agradecem a amizade e este contacto com o mundo lá fora.
Mas nem todas aulas são assim. Nesta escola, paralelamente às "tele-aulas", as professoras actuam personalizadamente junto de cada aluno, ajudando-o a acompanhar à distância a matéria que está a ser leccionada na sua escola de origem. Ana Margarida Castro é a professora sénior do IPO. Não o é em idade, mas em tempo de serviço na instituição. Desde 2004 que ajuda as crianças internadas a manterem o seu rendimento escolar. Reconhece que o trabalho não é fácil, mas é com carinho que diz que "nenhum outro é mais gratificante".
"O nosso papel é ajudar o aluno a manter o seu rendimento escolar, a continuar o seu projecto de vida académico, minimizando o impacto deste afastamento físico da escola" , explica Ana Margarida. Cada um dos professores colocados nos hospitais mantém uma relação de cooperação com as escolas de referência da zona em que está localizado o hospital. Escolas essas que asseguram o estabelecimento de ligações por videoconferência e a realização das "tele-aulas" semanais "feitas com base num projecto educativo definido no inicio do ano lectivo que envolve todas as disciplinas", esclarece a professora.
"Tele-aula" em cinco hospitais
A "tele-aula" chega a cinco hospitais, da Área Metropolitana de Lisboa: Instituto Português de Oncologia (IPO), Hospital D. Estefânia, Hospital de Santa Maria, Hospital Garcia da Orta e Centro de Medicina e Reabilitação de Alcoitão. O programa tem âmbito regional e é gerido pelo Centro de Avaliação em Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (CANTIC), integrado na Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL).
Desde a sua criação, em 1997, já avaliou e orientou 462 alunos. Na generalidade dos casos, crianças em situação de internamento prolongado, com problemas do foro oncológico, deficiências motoras graves, doenças crónicas ou doenças degenerativas, que as impedem de frequentar presencialmente a escola.
Cada hospital trabalha com uma, ou duas, escolas de referência da sua área geográfica e há neste momento apenas sete docentes ao serviço do CANTIC, nos cinco hospitais/escola da região de Lisboa. Todos eles, explica a coordenadora Eulália Cordeiro, "dependem de destacamentos anuais. Estão colocados em escolas da região, mas destacados para prestar serviço nos hospitais".
O número é ainda residual, mas Eulália adianta que "está em estudo na DREL uma proposta de alargamento da abrangência deste projecto a todos os hospitais da sua área educativa, que atendam crianças ou jovens em idade escolar". Uma proposta possível de materializar e da qual poderiam beneficiar não só os alunos, mas também os milhares de professores que se encontram fora do sistema educativo por não terem colocação.
IPO tem escola maior
É no IPO de Lisboa que se concentra o maior número de professores (três), mas também o maior número de crianças. A contabilização real é difícil. Uns regressam a casa outros são traídos pela doença. Mário Chagas, Director do Serviço de Pediatria do IPO de Lisboa, explica que "tem havido grande um progresso no diagnóstico e tratamento das doenças oncológicas em pediatria, muito embora existam alguns tipos de patologia que são hoje mais incidentes do que há alguns anos. Hoje, é possível tratar cerca de 70% das crianças, graças aos progressos da quimioterapia, da cirurgia e da radioterapia".
Contudo, por maiores que sejam os avanços da ciência, ainda não é possível eliminar o efeito psicológico que esta "doença de adultos" gera nas crianças e adolescentes. Razão pela qual, o director da unidade de pediatria do IPO, enfatiza a importância da escola e das tele-aulas no serviço que tutela. "Aqui temos jovens em idade escolar que permanecem em internamento, por vezes, quatro semanas seguidas. Esta ligação com a vida lá fora é muito importante não só do ponto de vista pedagógico, mas sobretudo psicológico". Mário Chagas confessa que, paralelamente, à cura o IPO procura fomentar a ligação da criança com a realidade extra-hospital, tendo como meta minimizar o impacto futuro da doença na criança e assegurar o seu rendimento escolar.
Uma tarefa nem sempre fácil. Todos os dias, a escola abre as portas, mas os alunos nem sempre são os mesmos. A violência dos tratamentos atraiçoa muitas vezes a capacidade física para sair do quatro. E é por isso que Mário Chagas quer instalar na unidade de pediatria do IPO um sistema de Internet sem fios, que possibilite às crianças em isolamento aceder – a partir do seu quatro – à aula daquele dia, mas também comunicar com a sua escola de origem e com os seus amigos. Tudo, porque o factor psicológico é um remédio poderoso neste tratamento.
Professores com trabalho de casa
Mas o trabalho da professora Ana Margarida e dos seus colegas do CANTIC não se fica pelas aulas do IPO. Aos docentes cabe também a tarefa de realizarem o contacto com as escolas de origem das crianças internadas para que eles possam fazer todos os trabalhos, testes e fichas que fariam com a sua turma se pudessem frequentar a sua escola. As professoras remetem depois ao director de turma todos os trabalhos dos alunos, para que estes possam ter uma avaliação contínua. Ana Margarida assegura que "a grande maioria dos meninos que aqui estão conseguem passar de ano e ter aproveitamento".
Uma vitória que não é fácil de materializar pois as dificuldades são muitas. "O espaço é pequeno, a afluência de meninos é grande, a irregularidade da sua presença na escola é maior ainda, já que cada dia temos crianças diferentes e são meninos que podem estar bem para vir à escola de manhã, mas à tarde não poderem vir", conta Ana Margarida.
Quando a aula vai ao quarto
Ao abrigo do CANTIC, as crianças e jovens são acompanhadas desde o 1º ciclo ao 12º ano, em todas as disciplinas. Mas o trabalho deste centro não se restringe aos hospitais/escola. Embora em menor número, há crianças que recebem este apoio em casa. São apenas 22 crianças e nestes casos, estabelece-se uma ligação directa entre a casa do jovem e a sua turma de origem, existindo também um professor que visita o aluno dando-lhe apoio.
Nestas situações, o CANTIC intervém também noutros domínios. Há casos em que a família da criança não tem condições financeiras para assegurar os meios técnicos, como equipamento e ligações à Internet e nessas situações, o CANTIC procura encontrar patrocinadores que o viabilizem. Eulália Cordeiro lamenta a inexistência de uma linha governamental de apoio a estes casos, mas esclarece que nenhum aluno deixará de ir à escola por isso. Até lá o centro não se poupa a esforços. Entre as várias entidades com quem tem protocolos destacam-se a PT, a UMIC ou a Fundação Gil.
Eulália tem um sonho: gostaria de ver o projecto que coordena "expandir-se a todos os hospitais que acolham crianças". É natural, até porque o acesso à educação é um direito. Porque uma escola não tem, forçosamente, de ter paredes. E porque não há muralhas maiores do que a vontade.


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