As crianças autistas possuem mais matéria cinzenta do que as outras crianças nas áreas do cérebro que serão responsáveis pelo processamento social e pela aprendizagem através da observação. As conclusões resultam de um estudo divulgado hoje, em Chicago, durante o encontro anual da Radiological Society of North America.
As diferenças existem e foi possível observá-las com recurso a técnicas de imagiologia. "Os resultados apontam para a possibilidade da incapacidade de relacionamento das crianças autistas ser o resultado de um funcionamento anormal do sistema neurológico", refere Manzar Ashtari, autor principal do estudo que trabalha num hospital pediátrico norte-americano (Children’s Hospital of Philadelphia).
Tudo estará relacionado com os chamados neurónios espelho, que são activados quando um indivíduo está a praticar uma acção ou a experimentar uma sensação ou emoção ou ainda quando observamos estes comportamentos nos outros. O estudo revelado ontem mostrará que as crianças autistas têm mais matéria cinzenta nas regiões dos lóbulos parietais que são implicados no sistema dos neurónios espelho.
O estudo envolveu 13 doentes do sexo masculino diagnosticados com autismo ou Síndrome de Asperger e com um QI (Quociente de Inteligência) superior a 70. Foi usado também um grupo de controlo com 12 adolescentes saudáveis, sendo que a idade média dos participantes rondava os 11 anos. Todos os sujeitos foram observados com uma técnica que permite visualizar o movimento das moléculas de água no cérebro. Esta técnica é vulgarmente utilizada para estudar a matéria branca no cérebro, bem como as fibras mas foi adaptada para incidir sobre as áreas de matéria cinzenta de forma a analisar alterações de volume.
Além das diferenças nas áreas de matéria cinzenta associadas aos neurónios espelho, os resultados do estudo revelaram que o aumento da camada no lóbulo parietal estava relacionado com os QI mais elevados no grupo de controlo mas não nas crianças autistas. "Nos cérebros das crianças normais, a maior quantidade de matéria cinzenta está associada a QI mais elevado mas nos cérebros das crianças autistas esta correspondência não se verifica porque a matéria cinzenta não funciona adequadamente". As crianças autistas também mostravam uma redução significativa de matéria cinzenta na região da amígdala direita que explicará a profunda inaptidão social.
Mais estudos
A equipa de investigadores acredita que este mapeamento do cérebro será capaz de contribuir de forma significativa para a compreensão dos problemas das crianças autistas, sobretudo da percepção da estrutura e funcionamento cerebral. Ainda assim, o investigador principal admite que serão necessários mais estudos para conseguir compreender como funciona um cérebro de uma criança autista. "Se cada vez mais pessoas provarem que os neurónios espelho em geral estão envolvidos no cérebro de uma criança com autismo, será possível ter pessoas a pensar em formas de os fortalecer e dos os colocar a funcionar normalmente", defende Manzar Ashtari.
As estimativas mais recentes da prevalência em Portugal apontam para uma criança afectada em cada mil. Em Março deste ano foi anunciada a participação de um grupo de investigadores portugueses no consórcio internacional Autism Genome Project, que visa identificar os factores genéticos relacionados com o autismo recorrendo a análise do genoma de milhares de famílias afectadas nos Estados Unidos e na Europa.
A equipa portuguesa inclui especialistas do Instituto Nacional de Saúde (INSA) Ricardo Jorge, do Hospital Pediátrico de Coimbra e do Instituto Gulbenkian da Ciência.
Durante os próximos três anos, o consórcio internacional previa investir mais 11,2 milhões de euros na análise do genoma para "identificar as alterações genéticas que levam a um aumento de susceptibilidade para o autismo". Numa investigação premiada em 2005 [Prémio Pfizer de Investigação Clínica], os especialistas portugueses quiseram caracterizar a epidemiologia do autismo em Portugal concluindo que a prevalência nas crianças em idade escolar é 0,92 por cada mil crianças no Continente e de 1,56 por cada mil alunos nos Açores, com predomínio no sexo masculino.