Eu estava de férias com o papá e a mamã numa ilha na Normandia, numa casa alugada, pequenina e pitoresca. Só que eu aborrecia-me. Sentia-me só. Por isso, todos os dias ia sentar-me num grande rochedo no meio da praia, a olhar para a dança de milhares de pequenas ondas no mar.
No céu, as nuvens carregadas de água corriam a toda a velocidade como se não quisessem fazer sombra à luz branca do sol. Ao longe, as gaivotas confundiam-se com as velas dos barcos. A praia estava quase deserta, de certeza por causa da água demasiado fria. Soprava um vento leve. Quando ele se metia no cabelo dos dois rapazinhos loiros que brincavam com um papagaio de papel, não muito longe de mim, fazia-os esvoaçar com muita graciosidade e leveza. Era bonito de se ver. Eu gostaria de ter cabelos assim tão lisos, em vez dos meus, encaracolados.
Os dois rapazes eram gémeos, muito bonitos e de pele clara. Viviam com os pais numa casa alugada ao lado da nossa. Sempre que os encontrava na praia, o papá insistia comigo para ir brincar com eles. Eu não me atrevia. Nos olhos deles havia qualquer coisa que me desagradava, um brilho maldoso. Mas eu queria muito brincar com o papagaio de papel deles, segurá-lo entre os meus dedos, fechar os olhos e voar com ele até lá longe, bem no alto, onde as gaivotas faziam piruetas.
De repente, o papagaio fez um voo picado e caiu aos meus pés. Que sorte! Era a oportunidade, tão sonhada, de travar conhecimento com os meus dois vizinhos. Levantei-me, apanhei o objecto e entreguei-o aos rapazes que, entretanto, se tinham aproximado de mim. Sorri-lhes e disse-lhes que o papagaio era muito bonito. Fixavam-me, em silêncio, com um ar nada simpático. De repente, um deles tirou-me das mãos o papagaio de papel e pô-lo no chão, no sítio onde tinha caído.
— Não toques no nosso papagaio!
— Porquê? — perguntei, admirada.
— Porque não és francesa!
— Sou francesa, sou!
— Não — disse outro.
Baixei os olhos para olhar para mim. Vi-me branca, apenas um pouco bronzeada pelo sol de Verão. Fiquei triste e nervosa ao mesmo tempo. Não compreendia. Era a primeira vez que alguém me dizia uma maldade daquelas. Quis perguntar ao papá a razão daquilo, mas ele tinha adormecido. Então voltei a sentar-me no meu rochedo e pus-me a olhar para a dança do mar. Queria chorar. Não parava de olhar para a minha pele, tocava nos meus cabelos encaracolados. E se eu não fosse francesa?
Eis que, sem prevenir, a atmosfera ficou carregada. O céu enevoou-se. O papagaio de papel dos meninos maus soltou-se e desapareceu. Gritaram, surpreendidos. Senti que alguma coisa estava a acontecer. Um raio poderoso abriu caminho entre o céu e a terra, como um corredor transparente. Uma figura deslizou pelo seu interior, e saiu, vindo colocar-se à minha frente, cheia de poder. Olhou-me nos olhos e disse:
— Sou a filha da chuva.
Tinha a graciosidade de uma fada, e trazia um vestido de nuvens com reflexos azuis-acinzentados, leve como uma carícia. Os seus longos cabelos eram ondas de cor turquesa que lhe deslizavam até aos pés, o rosto parecia delicadamente esculpido pelo vento, nos olhos luziam-lhe duas contas de ouro nas quais vi o papagaio de papel. Das orelhas pendiam-lhe dois brincos, duas gotas de chuva que formavam uma fonte mágica.
Eu não era capaz de dizer palavra, de tão pasmada. Ela continuava a sorrir. Disse-me que tinha ouvido tudo lá de cima e por isso fizera desaparecer o papagaio. E entregou-mo, dizendo:
— Toma, vai tu mesma entregá-lo… — e em seguida disse: — Tu és bela, Faema — antes de desaparecer no corredor de luz.
Depois, tudo voltou ao normal. Nas minhas mãos tinha um papagaio de papel incrustado de minúsculas estrelas multicores. Levei-o aos dois rapazes maus. Nos seus olhos via-se agora o deslumbramento. Pensavam que eu era mágica e deixei que acreditassem nisso. Limitei-me a dizer:
— A menina da chuva, que veio do céu, trouxe-mo para vo-lo entregar.
E foi assim que me tornei francesa.
Azoug Begag
In : almanach
La Charte Corps Puce Jeunesse