Pena-de-Águia-Flutuante, filho e neto de índios maias, contou-me esta história, aprendida de um monge budista da Tailândia.
Um guerreiro de rosto tenso, cansado de vaguear sem destino, de festins para derrotas e destas para triunfos ilusórios, foi um dia visitar, no fundo de uma floresta, um eremita bastante afamado pelas suas bondade e sabedoria imperturbável. Na cabana de ramos onde foi recebido, depois de ter contado ao santo homem as penosas aventuras e de ter confessado o seu cansaço perante as maldades humanas, disse:
- Só te quero a ti como mestre. Ensina-me o saber que ilumina o teu rosto e que torna a vida bela.
O eremita aconselhou-o a que meditasse, procurasse para além das aparências, se esforçasse por descobrir, nas nocivas ninharias do mundo, o fruto saboroso da paz. Ensinou-o a dominar a respiração e a conduzir os pensamentos. Conversaram durante três dias inteiros, após os quais o guerreiro prometeu ao mestre observar aqueles mandamentos.
Decorrido um ano, límpido para um, amargo para o outro, o guerreiro, que tinha decidido atingir a sabedoria, envolvera-se corajosamente no caminho traçado, mas perdera-se nos labirintos da alma. E assim, numa manhã de Verão, tendo chegado ao fim das suas forças, veio queixar-se ao santo homem:
- Apesar dos meus esforços - disse -, não fiz quaisquer progressos. É claro que sei agora respirar como me ensinastes, mas continuo ávido, infeliz e incapaz de amar. Como poderei amar a vida que me rodeia? Como poderei amar os outros se não me amo a mim mesmo?
Com infinita paciência, o eremita deu-lhe novas pistas. Ensinou-lhe a arte de conter os excessos dos sentidos e a de alcançar as calmas profundezas do coração, para lá de toda e qualquer tempestade. Três dias depois, o guerreiro partiu, revigorado, cheio de novas esperanças. Fatigou-se ainda um ano inteiro a livrar o espírito dos fardos que o cobriam, observou rigorosamente a disciplina que lhe tinha sido aconselhada, tentou compreender e saborear a vida, mas nada conseguiu.
Então, sentiu-se mais infeliz do que nunca, e acabou por se perguntar se a vida que levava antes de ter tido a ideia peregrina de alcançar a sabedoria não era melhor do que a insuportável impotência em que mergulhara. Dirigiu-se uma vez mais à cabana do eremita e repreendeu-o pela sua incompetência.
- Não soubestes ensinar-me a amar - disse-lhe. - Acho que não passas de um impostor!
O eremita não se ofendeu, muito pelo contrário. Ouviu as queixas com uma atenção quase infantil e, depois, foi a um canto escuro da cabana buscar um jogo de xadrez.
- Joguemos uma partida - disse-lhe, a sorrir -, mas que seja definitiva e impiedosa. Aquele que perder deve morrer, o que vencer cortar-lhe-á a cabeça. Estás de acordo?
O guerreiro, surpreendido, olhou para o mestre; depois, vendo brilhar nos seus olhos uma luz de desafio, respondeu:
- Está bem.
Colocaram, à frente da cabana, o tabuleiro sobre uma laje e, à sombra de uma grande árvore, sentaram-se frente a frente, debruçando as testas enrugadas sobre as figurinhas de madeira. E a partida começou.
Pouco tempo depois já o guerreiro estava em má posição. Ao fim de seis jogadas já tinha perdido três peças importantes e o rei estava perigosamente a descoberto. Sentiu medo. Transtornado pela mão fria da morte, que já sentia pesar sobre a nuca, começou a jogar cada vez pior. Doze jogadas depois estava à beira da derrota. Olhou para o adversário e viu-o completamente impassível. Decerto que não hesitaria um momento em matá-lo, se acaso perdesse.
Nesse momento pensou que era altura de reflectir sem erros. Lembrou-se de que costumava ser bom no xadrez e tornou-se-lhe claro que só o espectro da morte o impedia de mostrar o que valia. "Em primeiro lugar, tenho de me desembaraçar do medo, se quero uma oportunidade de sobreviver; tenho de me desembaraçar dele imediatamente!" Esforçou-se por respirar como aprendera e pensou: "Aconteça o que acontecer, tenho de dar o meu melhor. Só isso importa."
Então, contemplou o tabuleiro com atenção redobrada. Viu como salvar o rei, em risco de ser comido. Foi invadido por uma alegria súbita. Recuperou a esperança e esqueceu o pânico. Dezoito jogadas depois a sua situação restabelecera-se a ponto de encarar confiantemente uma longa batalha. Ao fim de vinte e quatro jogadas descobriu uma falha no jogo do adversário. Exaltou-se e deu um grito de triunfo.
- Perdeste - disse.
Estendeu vivamente a mão para devorar a rainha na brecha oferecida, mas deixou-a suspensa sobre o jogo. Olhou o eremita. Viu-o ainda e sempre impassível. Nesse momento interrogou-se: "Por que razão mataria eu este homem corajoso? Estou certo de que poderia ter ganho facilmente a partida quando o medo me atormentava. Mas não o fez. Que bárbaro seria se abatesse o meu sabre sobre o seu pescoço?"
A exaltação abandonou-o subitamente. Fungou, baixou a cabeça e empurrou um peão inútil. Então, só então, o eremita voltou o tabuleiro ao contrário na relva com um gesto desajeitado.
- Por fim compreendeste… Primeiro, é preciso vencer o medo. Só depois pode vir o amor disse.
O guerreiro sorriu. Só agora tinha descoberto como poderia viver em plenitude!
Henri Gougaud
A Árvore dos Tesouros
Lisboa, Gradiva, 1988
(adaptação)