Há muito e muito tempo, num país de nuvens e lendas, vivia um rei chamado Uther.
Quando o trono deste país ficou vazio, ficou o reino sem rei nem roque, porque príncipes e condes todos queriam, à uma, experimentar a coroa do rei Uther, a ver se lhes assentava bem...
Mas, embora ninguém soubesse, o rei Uther tinha deixado um filho, chamado Artur, a quem, por direito, a coroa real devia pertencer. O sábio Merlim, receando que algum mal sucedesse ao principezinho, levara-o da corte, para o entregar aos cuidados de Sir Heitor, um bom e leal cavaleiro. No castelo deste fidalgo, crescera. Tão carinhosamente tratado sempre fora que se julgava filho de Sir Heitor e irmão de Kay, um jovem da sua idade, filho único do cavaleiro.
Como, à falta de um rei, ninguém se entendia, o arcebispo, encarregado de velar pelo reino, decidiu convocar todos os pretendentes. À medida que os muitos condes e príncipes chegavam à clareira da floresta, onde fora marcada a reunião, uma grande pedra branca ia rompendo da terra, como se fosse empurrada de baixo por qualquer força estranha. Perturbados, os cavaleiros viam-na crescer, até que um deles exclamou:
— Olhai, que uma espada está enterrada no coração da pedra...
A pedra parou. A meio, uma bela espada de punho de oiro reluzia cravada na rocha.
— Esta espada pertenceu ao generoso e amado rei Uther, que sempre a levantou em defesa dos fracos e dos bons — proclamou o arcebispo. — Glória a quem a arrancar da pedra, porque esse será o rei.
Precipitaram-se os pretendentes para a espada. Príncipes e condes tentaram a sua sorte. Em vão. A espada não se deixava mover.
— Vemos que nenhum de nós é o eleito — concluiu o arcebispo.
Ordenou que uma guarda permanente se mantivesse de sentinela à espada de Uther e marcou um dia do ano, em que todos os cavaleiros do país pudessem de novo experimentar os seus poderes, desafiando a espada. Entretanto, grandiosos torneios eram organizados, para distraírem e exercitarem os nobres pretendentes.
Sir Heitor foi convidado. Acompanhavam-no Kay e Artur. Os dois rapazes, quando chegaram ao campo da liça e viram os belos cavalos, as plumas dos elmos, as fitas das lanças, as bandeiras e os guiões esvoaçando ao vento, ficaram entusiasmados e também quiseram participar nos jogos.
Desafortunadamente, o jovem Kay esquecera a espada na estalagem onde tinham passado a noite.
— Eu vou buscar-ta — ofereceu-se Artur, montando a cavalo.
Mas, quando chegou à estalagem, as portas estavam cerradas e a estalagem vazia. Os donos e a criadagem tinham ido ver os torneios.
Desolado, Artur regressou ao acampamento de Sir Heitor. Entretanto, lembrou-se de que vira, numa clareira por onde passara, uma enorme pedra branca, encimada por uma espada. Procurou o local e encontrou-o. Também os guardas tinham trocado a missão de sentinela pelo torneio...
No meio da floresta, enterrada na pedra, uma espada aguardava o jovem cavaleiro. O moço Artur merecia-a.
Num único impulso, arrancou-a da bainha mágica e trouxe-a a Kay.
Este reconheceu a espada e foi mostrá-la ao pai:
— Senhor, esta é a espada de Uther. Serei eu o rei.
Sir Heitor carregou o rosto e repreendeu-o:
— Quando te armei cavaleiro, juraste defender sempre a verdade, meu filho. Quem te deu essa espada?
Baixando a cabeça, Kay confessou:
— Foi o meu irmão Artur quem ma deu.
— Perdi um filho, mas o reino ganhou um rei — disse Sir Heitor, ajoelhando-se diante de Artur, que se aproximara deles.
Artur, de olhos espantados, não entendia o que estava a passar-se. Foi preciso que Sir Heitor lhe contasse toda a sua história, desde que, nos braços do sábio Merlim, abandonara o palácio real.
— Mas eu não quero ser rei — lastimava-se Artur. — Vós sois o meu pai muito amado e Kay o meu querido irmão.
Sir Heitor assegurou-lhe que continuariam sempre seus amigos. Com esta promessa, Artur concordou em que o levassem à presença do arcebispo.
Diante de todo o povo, Artur enterrou a espada na pedra e arrancou-a, como se a pedra fosse terra mole. Os condes e os príncipes não queriam acreditar no que viam e exigiram nova demonstração. Artur acedeu.
Apesar de todas as evidências, os pretendentes puseram-se a murmurar contra o jovem desconhecido e recusaram-se a aclamá-lo rei. Não fosse o povo ter-se revoltado contra os nobres despeitados e talvez a História e a lenda nunca nos falassem de um rei bondoso e leal, chamado Artur...
António Torrado
www.historiadodia.pt