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Ler uma história...

 



O banho Badguerd (1ª parte)

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  A rainha Housan Banou reinava em Shahabad. Era bela e muito amada pelo príncipe Mounir, mas não se sentia com coração capaz de tornar feliz este homem de grande valor. Na verdade, mais do que tudo no mundo, ela desejava que fosse desvendado o mistério de uma estância de banhos chamada Badguerd, morada longínqua de infernal reputação. Nenhum dos que ali se haviam aventurado tinha voltado. O príncipe Mounir tinha um amigo: Hatim Täi. Este precioso companheiro, que tinha grande fama de bravura e generosidade, decidiu então, para que o seu irmão de armas pudesse receber o amor da rainha, deslocar-se, por muito que lhe custasse, à casa de banhos de Badguerd e vencer o seu enigma. O príncipe Mounir comoveu-se até às lágrimas ao ver Hatim resolvido a enfrentar, pela sua felicidade, os perigos de tal empresa. Acompanhou-o até às portas da cidade, confiou-lhe, da parte da rainha, um talismã bastante poderoso para o proteger dos perigos previsíveis, depois apertou-o nos braços e despediu-se dele.

   Hatim Täi partiu pelos caminhos empoeirados da Pérsia em direcção a esse lugar tão obscurecido pelas magias perigosas que nenhum homem vivo conhecia a sua situação exacta. Caminhou sete vezes sete dias com o sol sobre os ombros e, diante dos seus passos, o deserto moreno. Na última manhã da sétima semana vislumbrou ao longe uma cidade de areia, onde chegou à hora do crepúsculo. Em frente da porta alta da cidadela encontrou um velhote que estendeu à sua frente um longo cajado e, parando-o desta maneira, lhe perguntou onde ia.

   — Procuro o estabelecimento de banhos Badguerd — respondeu-lhe Hatim Täi.

   O velho abanou tristemente a cabeça magra, acariciando simultaneamente a barba.

   — Nenhum dos loucos da tua espécie até hoje voltou de lá. Sabias disto?

   — Sei e pouco me importo — respondeu Hatim. — Fiz o juramento de descobrir o segredo que esse lugar esconde e descobri-lo-ei.

   — Se assim é — disse-lhe o velhote — ouve-me.

   Apontou o horizonte com o bastão estendido.

   — Toma este caminho, que conduz à cidadela de Qa’tam, governada por um rei chamado Harith. Só ele sabe onde se encontra o banho Badguerd, mas é um homem imprevisível. Deu ordem aos guarda-fronteiras para prenderem quantos procurem esse lugar. Ignoro se os manda matar ou se lhes dá informações. Para ires até Qa’tam terás de escalar uma alta montanha e atravessar uma extensa planície, após o que se te depararão dois caminhos. Toma o da esquerda. O da direita é, aparentemente, melhor, mas esconde mais perigos.

   Hatim agradeceu ao velhote, repousou durante metade de uma noite e de novo recomeçou a travessia do deserto. As brumas da manhã abriram-se logo sobre uma montanha longínqua e azul povoada de ciprestes. Escalou-a. Chegado ao cume, descobriu aos pés do monte uma planície infinda. Desceu até ela e aí caminhou tão longos dias que as botas, gastas, caíram aos bocados. Chegou, finalmente, ao lugar onde o caminho se dividia em dois. O da direita pareceu-lhe o menos abrupto. Tomou-o, demasiado cansado e ávido de alcançar o fim da viagem, para se lembrar dos sábios conselhos do velhote que encontrara na porta de uma cidade agora esquecida, de tão longe que estava.

   Caminhou uma hora sem custo. Então, subitamente, os arbustos em volta animaram-se, como animais traiçoeiros, estenderam para ele os ramos aguçados, agarraram-se às suas vestes. Quatro dias os combateu, avançando com grande esforço e perdendo muito sangue. Na noite do quarto dia chegou, enfim, à entrada de um deserto cinzento e pálido. Esgotado de forças, deixou-se cair sobre uma laje. Mal a testa pousou na curva do braço, sentiu o solo mexer-se. Reergueu a cabeça e viu galopar na sua direcção, na penumbra crepuscular, animais monstruosos, raposas desmesuradas, leões com cabeça de serpente, enormes tigres com focinho de lobo. "Estou perdido", disse Hatim para consigo, tremendo de medo. Levantou-se, decidido a morrer de pé. Então o velhote apareceu ao seu lado e disse-lhe:

   — Jovem, isto é o que custa desprezar as palavras dos sábios. Deita fora esse talismã que a rainha Housan Banou te ofereceu e que a vontade de Alá seja feita.

   Hatim obedeceu. O velhote desfez-se como um vapor. Nesse momento a terra tornou-se amarelada, depois negra, verde, vermelha. Os monstros, enlouquecidos por esse prodígio, atiraram-se uns aos outros e devoraram-se com ruídos assustadores.

   Hatim prosseguiu a viagem, esperando ter ultrapassado os perigos mais graves. Enganava-se. Pouco tempo depois, entrou numa floresta cujas árvores e silvados eram de ferro cortante. Quanto tempo caminhou sob a sua luz cinzenta? Não o soube. Saiu dela mais magro do que um espectro, vestido de farrapos sangrentos; andou ainda durante longos dias de costas curvadas, mas, finalmente, chegou perto das muralhas de Qa’tam.

(continua...)

Henri Gougaud
A Árvore dos Tesouros
Lisboa, Gradiva,1998
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