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A criança que não fala – Mutismo selectivo
Outubro, 2010
Dra. Tânia Prata - Psicóloga Clínica

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  O mutismo selectivo pode ser compreendido como um medo inadequado de falar fluente e espontaneamente, que surge particularmente em contextos fora de casa e que se pode prolongar até à fase da adolescência. Para os especialistas da saúde mental o mutismo selectivo surge como uma perturbação de ansiedade na infância.

  Normalmente acontece nas crianças mais pequenas, por volta dos 3 anos de idade, embora as queixas se acentuem mais no final do pré-escolar e inicio do 1º ciclo, sendo que as raparigas são mais propensas a apresentarem este problema comparativamente com os rapazes, estimando-se uma prevalência inferior a 1% em idade escolar. É nesta idade mais precoce que as crianças são mais renitentes em estabelecer contacto e a relacionarem-se com pessoas estranhas. Na realidade estas crianças não apresentam nenhuma perturbação da linguagem, nenhum atraso cognitivo ou alterações profundas de desenvolvimento, a não ser este medo/ansiedade que gera nelas o silêncio perante estranhos ou junto de pessoas com as quais não se sentem à vontade.

  Este problema psicológico interfere na realização escolar e/ou ocupacional e/ou na comunicação social, estando presente no mínimo há 1 mês e não coincidindo com o primeiro mês de escolarização, pois a entrada para o jardim-de-infância ou 1º ciclo surge como uma das primeiras mudanças contextuais significativas na vida das crianças, onde estas são obrigadas a contactar com estranhos. É nesta altura que o mutismo selectivo se pode desencadear ou exacerbar, pois quando as crianças não participarem nas actividades e existe uma ausência de interacção grupal, torna-se notória e prejudicial esta sua dificuldade de adaptabilidade ao contexto escolar, colocando pais, educadores e professores em alerta. O desejado é que após a fase de integração, em que todas as crianças se sentem inseguras e desconfiadas, ganhem confiança nelas próprias e comecem a estabelecer vínculos afectivos com as pessoas que as rodeiam (p.e outras crianças, educadora/professora), permitindo assim que as suas reservas prévias desapareçam. Mas, quando este silêncio se prolonga no tempo e se generaliza à maior parte das pessoas, com excepção, da família, deixa de ser um comportamento adaptativo, colocando em questão a integridade física e mental da criança, pelo facto de esta se deixar vencer por este seu medo. Este comportamento desadaptativo, na maior parte das vezes, conduz a dificuldades nas relações sociais, o que por sua vez, gera uma baixa auto-estima nas crianças; dificuldades a nível do rendimento académico, uma vez que grande parte dos professores e educadores se queixam de não conseguirem avaliar correctamente estas crianças, pois mesmo conhecendo as suas capacidades cognitivas, a informação que dispõem não é suficiente, comparativamente com as restantes crianças da sua sala; e inclusive, ao nível da sua saúde física, isto porque, em grande parte das vezes, muitas destas crianças não conseguem expressar ao adulto as suas necessidades mais básicas (p.e ir à casa de banho, ter fome, o ter caído e se magoado). É um problema transitório, mas se a criança não receber um tratamento atempado e eficaz, no futuro este problema pode levar a uma diminuição do desejo e vontade de estar na escola, podendo conduzir ao abandono e insucesso escolar, a consumos de estupefacientes, ideias suicidas, depressão, fobia social, entre outros.

  Estas crianças caracterizam-se por serem crianças tímidas, retraídas, socialmente inseguras, por norma dependentes, com excessiva rigidez e perfeccionistas. Quando comunicam, na maioria das ocasiões fazem-no através de gestos (p.e acenando a cabeça) e quando usam a fala, fazem por vezes com que o volume da sua voz seja muito baixo, limitando-se outras a apenas sussurrar ao ouvido. Evitam o olhar (p.e olham para o chão), escondem-se através dos objectos ou das figuras parentais, sendo as suas intervenções muito breves e curtas, tentando sempre evitar/escapar a todas as situações sociais em que se sintam expostas (p.e demorarem muito tempo na casa de banho ou a vestirem-se de modo a evitarem ir a algum lugar) como forma de alívio ao mal-estar produzido pelas suas respostas de ansiedade perante tal situação.

  Ao falar-se deste problema que afecta algumas das nossas crianças e que preocupa os pais e educadores/professores, pelas consequências a longo prazo que daqui podem advir, é necessário distinguir as crianças que têm uma grande aversão em falar, pois para estas é muito difícil falar em determinadas situações, das crianças que acham que não podem falar em certas situações (chamado mutismo selectivo), das crianças que acham que não podem falar em qualquer situação (mutismo progressivo ou total). No entanto estas últimas são crianças que deixam mesmo de estabelecer comunicações orais, por mais curtas que sejam, mesmo com as pessoas mais íntimas, levando assim à deterioração das suas relações interpessoais e consequentemente, ao isolamento social. Em todas estas formas, o medo e a ansiedade encontram-se presentes, conduzindo a um comportamento desadaptativo.

  A aprendizagem deste medo desproporcionado de falar nas crianças, tem em muito a ver com o comportamento dos adultos que as rodeiam. As altas expectativas em relação às crianças, a punição, a correcção de todas as suas falhas e, até mesmo, a existência de algum familiar com um problema idêntico, são algumas das razões que podem contribuir para o desenvolver deste problema psicológico.

  De um modo geral, este medo de falar gera nas crianças, alterações corporais, tais como, o aumento da sudação, da tensão muscular, do ritmo respiratório e da pulsação cardíaca. Depois, quando a criança consegue evitar ou fugir, podem surgir as dores de cabeça, de barriga e o ir várias vezes à casa de banho. Por outro lado, alterações comportamentais, como roer as unhas, levar os dedos ou parte do seu vestuário à boca, balançar as pernas ou o corpo, tiques, entre outras, são alterações que também dai podem advir. Este medo é igualmente causador de um grande sofrimento emocional e pessoal e por isso, estas crianças necessitam de ajuda especializada para que este silêncio como resposta não faça parte do seu reportório vivencial.

  Muitas das vezes, com o passar dos dias, dos meses e até mesmo dos anos, este problema começa a agudizar-se, não sabendo as escolas e os pais como o solucionar. Nessa altura surge a necessidade de uma intervenção especializada que permita a modificação das respostas fisiológicas e cognitivas desencadeadas, sendo que a criança é uma das primeiras a querer ver este problema resolvido, pois estão motivadas para fazerem amigos e terem sucesso nas aprendizagens. No entanto não se trata de um comportamento voluntário ou de uma birra, como muitos poderão pensar. São sobretudo crianças que se deixam vencer por este medo, que as obriga a tornarem-se"seres silenciosos", num mundo cheio de ruídos do qual também elas fazem parte.

  O procurar de ajuda psicológica, surge como uma nova situação que irá desencadear na criança medo de falar, mas a utilização de várias técnicas cognitivo-comportamentais permitirão em articulação com a família e a escola, o seu superar. Em alguns dos casos uma abordagem farmacológica pode ajudar a diminuir os seus níveis de ansiedade.

  De seguida serão apresentadas algumas estratégias de intervenção que pais e educadores/professores poderão adoptar para as auxiliar.

  Aos pais sugere-se:

    Estimular a comunicação do seu filho desde muito pequeno, de preferência quando a criança começar a falar, para este aprender a expressar-se em diferentes situações sociais, sabendo onde, como e com quem o deve fazer;
    Ensinar pequenas tarefas de responsabilidade (p.e vestir-se, lavar os dentes, por a mesa, arrumar o quarto, entre outras);
    Evitar o uso de expressões depreciativas ("não tens vergonha; és sempre o mesmo; nunca falas");
    Evitar, na presença da criança ou em locais que esta possa escutar, falar do seu problema com outras pessoas;
    Não obrigar a criança a falar quando esta se recusa;
    Não se zangar ou castigar por esta se negar a falar;
    Não criar metas dificilmente atingíveis pela criança;
    Não a obrigar a cumprimentar uma pessoa ou a aproximar-se desta ou de um local que ela própria não deseja;
    Evitar situações em que a criança apenas comunique sussurando ao ouvido, dizendo"não te oiço","não percebo o que me dizes" de modo a estimular a sua comunicação oral;
    Atribuir-lhe tarefas em diferentes situações sociais (p.e ir pedir um gelado ao Sr. do café);
    Manter sempre a calma quando o seu filho tem demonstrações desadequadas de falar;
    Convidar amigos ou familiares para frequentarem com maior regularidade a sua casa;
    Programar saídas, onde estejam envolvidas outras pessoas que sejam estranhas para a criança;
    Permitir a inserção em outras actividades grupais extra-curriculares;
    Ser paciente e quando o seu filho falar, não termine as suas frases, de modo a evitar uma excessiva dependência;
    Transmitir sempre tranquilidade e segurança, mas não a superproteger;
    Ter uma boa articulação com a escola;

  Aos Educadores/Professores sugere-se:

    Deixar a criança comunicar por gestos e expressar os seus sentimentos e pensamentos através de uma folha de papel ou de cartões apenas num primeiro momento, o de estabelecer a relação, pois a partir de então começar a estimular as pequenas verbalizações (p.e sim/não) e assim sucessivamente, certificando-se sempre que a criança se sente confortável para passar ao passo seguinte;
    Permitir o jogo lúdico, contar histórias e criá-las através de fantoches, falar com ela sobre coisas que ela goste, até conseguir gerar um clima agradável e descontraído;
    Dar espaço para a criança decidir se quer ou não falar, utilizando expressões encorajadoras ("tens tempo, podes falar hoje ou amanha, quando tu quiseres");
    Não a ignorar e dar-lhe a mesma atenção que dá às outras crianças;
    Incentivar actividades não verbais; proporcionar oportunidades para falar mas não a forçar (p.e quebra-cabeças, puzzles, jogos de tabuleiro);
    Encorajar sempre a criança a intervir, não passando a sua vez, dando-lhe sempre a oportunidade de apresentar uma resposta/resultado final;
    Não deixar que outra criança desempenhe as tarefas ou responda a questões na vez da criança com dificuldade em falar;
    Incentivar a interacção social, permitindo a integração destas crianças no grande grupo (turma), iniciando estas interacções em pequenos grupos, de preferência com algum dos amigos com quem a criança mais se relacione, alargando progressivamente o nº dos elementos do grupo, até se chegar ao grande grupo, de forma a evitar o seu isolamento social;
    Evitar que sejam criados rótulos depreciativos, evitando e corrigindo certas verbalizações por parte das outras crianças ("Essa é a que não fala";"Ela só se dá com o João, mais ninguém";"Nós já não a convidamos para brincar, ela não fala");
    Demonstrar a sua compreensão sempre que se aperceba que uma criança está a sofrer porque não consegue resolver a tarefa proposta, utilizando expressões encorajadoras ("Não te preocupes, aos pouco e poucos, tu irás conseguir");
    Contar histórias a toda a turma onde a temática seja o medo de falar e onde a personagem principal o conseguiu superar, de modo que todas as crianças compreendam este problema e percebam o que podem fazer para ajudar;
    Reforçar positivamente e de forma individualizada, todas as intervenções faladas ou não, sendo esse reforço significativo para a criança (p.e elogios escritos, verbais);
    Atribuir responsabilidades à criança (p.e marcar as presenças, distribuir fichas de trabalho, recolher os trabalhos elaborados);
    Ser empático e paciente.

Bibliografia:

Alves, I. (2005, Abril). Mutismo selectivo: Um silêncio perturbante. In Jornal Profissão – Médico de família, nº 86, pp. 50-51.
American Psychiatric Association (2002. DSM-IV-R- Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais. Lisboa, 1ª ed. Portuguesa. Lisboa: Climepsi editores
Dunaway, C. (2006). A Counseling Approach for Children With Selective Mutism. In California Speech-Language-Hearing Association’s Fall issue of CSHA Magazine, 35(2). Disponivel: SpeechPathology.com
Drewes, K. & Akin-Little, A. (2002). Children With Selective Mutism: Seen But Not Heard. In APA Division 16 School Psychology, 56(2), pp. 37-55.
Gouveia, J. (2000). Ansiedade Social: Da Timidez à Fobia Social. Coimbra: Quarteto Editora.
Kehle,T., Bray. M. & Theodore,L. (2004). Selective Mutism: a Primer for parents and educators. In The National Association of School Psychologists (NASP).
Pionek Stone, B; Kratochwill, T.; Sladezcek, I. ; Serlin, C. (2002). Treatment of selective mutism: A best-evidence synthesis. In School Psychology Quarterly. Vol 17(2), pp.168-190. Disponível: American Psychological Association
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Rodriguez, J. (2001). A criança com medo de falar. Lisboa: McGrawHill.
Shipon-Blun, E. (2004). Selective Mutism and Childhood Anxiety Disorders. Disponível: http://www.selectivemutism.org/
Schwartz, R. & Shipon-Blum, E. (2005). Shy child? Don't overlook selective mutism. In. Contemporary Pediatrics. Disponivel: Selective Mutism Anxiety Research and Treatment Center (SMART)
Urbán C.C. et al. (2004). El mutismo selectivo: Guía para su detección, evaluación e intervención precoz en la escuela. Disponível: http://www.pnte.cfnavarra.es/creena/002conductuales/Guia%20mutismo%20selectivo.htm
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